Quarenta

A teta caída que há em mim saúda a teta caída que há em você

Em dez dias faço 40 anos. Sempre tive preguiça de gente que lida mal com o envelhecimento e descobri, recentemente, que isso se devia ao fato de que era jovem. Agora faço 40 e entendo de uma única vez, em forma de explosiva e intensa descarga de realidade, que não é fácil deixar de ser uma garota, uma menina, uma mocinha. Não é fácil deixar de ser filha, namorada, novo talento, pessoa que, por estar começando a vida (e ter colágeno), tem todas as desculpas (e colágeno).

É como se uma festa, que nem era assim tão boa, por fim acabasse e eu pudesse ir para casa descansar. Vou tirar esses malditos sapatos lindos que eu só aturava porque os mais confortáveis pareciam de velho. Vou tirar essa energia abobada, esse contentamento elétrico, essas falsas disposições que eu só aparentava porque viver constantemente meio triste e cansada parecia coisa de velho. Eu já sou velha há tanto tempo.

Vou finalmente cobrir este decote exagerado com um cachecol quentinho e andar mais curvada porque, com a idade, você percebe o quão ridículo é se empinar toda (e mesmo que eu quisesse, as costas urram).
Até que enfim posso admitir que nunca gostei de ficar acordada até tarde, de cheiro de cigarro, de viagem em turma para a praia, do papo-furado de quem ainda não está completamente de saco cheio e sem tempo para papo-furado.

Apesar disso tudo, já sinto tanta saudade que me falta o ar. Esse algo que acabou e que nunca foi exatamente maravilhoso acabou para sempre. Nossa, como foi bom! Veio acabando, acabando. Fui me despedindo, despedindo. Já não aguentava mais, não queria mais. Foi espetacular. Sinto tanta saudade que me falta o ar.

Todo dia, em algum momento, lembro do meu primeiro apartamento na rua Cajaíba. Tinha 37,5 metros quadrados. Eu ganhava tão mal que pegava freelas de 200 reais para ficar menos vermelha no banco. Meus namoros não iam para a frente porque o imóvel era tão pequeno que, se o cara fizesse cocô no banheiro, era como se tivesse cagado na minha casa inteira. Meus namoros não iam para a frente porque no fundo eu não queria que fossem. Eu vivia mal e chorando e pobre e era insuportavelmente feliz.

Desesperadamente feliz. Fico cansada só de lembrar. Era uma desgraça, e estou muito melhor agora. Sinto tanta saudade que me falta o ar (mas talvez eu esteja apenas precisando marcar cardiologista). Nossa, como foi bom! Foi sensacional! Uma vez saí com um tiozinho de 40 anos e minhas amigas me perguntavam: “E aí? Ainda transando o idoso? Cuidado pra não matar ele”. Saudade.

Sou nova, claro, mas nunca mais serei novinha. Já tenho mais calça de moletom do que saia. Já tenho mais creme dermatológico do que perfume. Já tenho mais dor na cervical do que ataque de riso. Dormir é muito mais legal do que qualquer coisa que me dispare o coração. Sentirei uma saudade infinita.

Como eu dizia, sempre tive preguiça de gente que não sabe envelhecer e se deprime, não para de reclamar ou pira e sai fazendo tratamentos. Pois sintam-se abraçados. A teta caída que há em mim saúda a teta caída que há em você. Minha testa com botox saúda a sua testa com botox. Espero que não lhe aconteça o que aconteceu comigo. Uma pequena parte da toxina botulínica desceu da testa e paralisou momentaneamente minha pálpebra direita. Quem ler este texto na internet poderá ver a foto. Passarei os 40 anos me auto paquerando através de uma piscadela permanente. 

Nunca mais serei uma gatinha, mas, dependendo do dia e do ângulo (do antidepressivo e da maquiagem?) ainda me acho uma gata.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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