Você está sendo filmado

É boa a decisão da Polícia Militar paulista de pôr câmeras em uniformes?

A PM paulista vai equipar os uniformes de seus agentes com uma câmera, que registrará suas ações. Isso é bom?

Pessoalmente, sou um entusiasta do monitoramento, mas admito que as coisas não são tão simples. O que de melhor já li sobre câmeras está num divertido ensaio do filósofo Emrys Westacott publicado em 2010 em “Philosophy Now”. Para Westacott, os aparelhinhos de vigilância são em princípio perfeitos. Se Deus os tivesse instalado no Paraíso, Eva não teria comido do fruto proibido e não teria havido pecado original. Querem mais do que isso?

As câmeras são eficientes porque elas fazem com que ações morais (não atirar em transeuntes, por exemplo) coincidam com o interesse individual (não ser apanhado infringindo a lei). Essa concordância não só tende a reduzir o número de violações morais como também pode ajudar as pessoas a se habituarem a fazer as coisas certas. Câmeras, assim, são úteis do ponto de vista das éticas consequencialistas e das éticas da virtude.

Cabe aos chatos dos kantianos objetar. Para eles, se eu respeito a lei por medo de ser punido, não estou fazendo a coisa certa pelo motivo certo, o que equivale a dizer que não estou agindo livre e moralmente. As câmeras, ao estimular muito fortemente as pessoas a fazerem a coisa certa, até reduziriam o espaço para seu crescimento moral.

Assim abstratamente, é fácil descartar a objeção kantiana como academicismo. Mas há situações concretas nas quais nós não hesitamos em preferir o arranjo kantiano. Você prefere trabalhar num empresa que monitore as atividades online de seus funcionários ou numa que confie no colaborador e lhe cobre só os resultados? Mesmo quem não pretende barbarizar no computador da firma pode legitimamente escolher a estrutura mais libertária.

No caso da polícia, porém, continuo fã das câmeras. É mais comum encontrar policiais hobbesianos que kantianos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Hélio Hélio Schwartsman - Folha de São Paulo. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.