Encostas, túneis, árvores, ruas e o Passeio Público —a cidade está em decomposição
Uma preocupação das grandes cidades é a de dotá-las de espaços públicos, a salvo de carros e de fumaça, cobertos de verde, cortados por cursos d’água, próprios para o relaxamento e ornados de obras de arte que contem a história de seu povo. Para isso, muitas vezes, os prefeitos têm de interditar avenidas, desviar o trânsito e fazer obras imensas e dispendiosas. Refiro-me, claro, aos prefeitos que se interessam pela cidade e pelos cidadãos. Não é o caso do suposto prefeito do Rio, Marcelo Crivella.
O Rio tem um espaço assim desde 1783: o Passeio Público. Foi a primeira cidade brasileira com essa preocupação, graças a um vice-rei humano e dedicado, d. Luiz de Vasconcellos, e a um paisagista e escultor, Mestre Valentim. No século 19, o francês Auguste Glaziou o redesenhou e, ao longo de décadas, outros monumentos foram incorporados. O Passeio Público esteve para o Rio como o Central Park para Nova York. Talvez mais, porque não era apenas um espaço de lazer à beira-mar. Era também um paraíso botânico —dele saíram muitas mudas que ajudariam a replantar a floresta da Tijuca, em 1862.
Sua situação hoje reflete todo o Rio de Crivella: luminárias destruídas, esculturas desaparecidas, árvores caídas, mato por toda parte, cheiro de urina. Se for visitá-lo, não deixe de admirar o busto de Chiquinha Gonzaga, Castro Alves, Olavo Bilac —se já não tiverem sido roubados. O Rio era a cidade, depois de Paris, com mais peças fabricadas na fundição de Val d’Osne, na França. Não deve ser mais. Tudo está sendo levado sob o nariz de Crivella.
E, assim como o Passeio, estão as encostas, os túneis, as árvores, o asfalto e as calçadas da cidade —um espetáculo em decomposição.
Nossa certeza é a de que, para pagar pelos tormentos a que submete o Rio, Crivella um dia se banhará nos lagos de fogo e enxofre das profundas para onde o carioca já o está mandando.