Certa ocasião, quando eu escrevia para O Estado do Paraná e ainda advogava, recebi uma pergunta de uma leitora:
“O senhor, que é do meio e parece conhecer bem o Poder Judiciário, poderia me responder: há diferença entre a Justiça brasileira e a Justiça norte-americana?”
No e-mail que me mandou, Maria de Lourdes, desta Capital, se confessava preocupada com o Judiciário nacional: magistrados denunciados por corrupção, sentenças contaminadas por interesses escusos, autoridades judiciárias na cadeia [era tempo do juiz Nicolau] e interesses políticos nos tribunais superiores.
Sustentou: “Sabe de uma coisa, prezado colunista? Acho que o nepotismo é um mal menor no atual Judiciário brasileiro”.
Respondi-lhe que era ela que estava dizendo e pedi-lhe que não me comprometesse com o pessoal da toga, mais do que eu já estava comprometido.
Expus que fizera parte do Poder, como integrante do baixo clero e, depois, como advogado militante, era obrigado a seguir certa liturgia para não prejudicar a clientela. Acrescentei não saber se o Judiciário americano, que conhecia apenas por ouvir dizer e pelo cinema, era diferente do brasileiro. Parecia que sim, e muito. Mas podia ser, também, que, no final das contas, fosse a mesma coisa.
E para ilustrar, contei-lhe alguns episódios que me tinham sido enviados pela internet, em épocas diferentes, envolvendo situações a propósito do tema, ocorridas nos Estados Unidos e no Brasil. Os primeiros eram tidos como verdadeiros; o último tinha característica de chiste, embora muitos dos jurisdicionados nacionais não achassem nenhuma graça nele.
Nos EUA, Stella Liebeck, uma senhora de 81 anos, comprara um café no McDonald’s e se queimou com o líquido quente enquanto tentava bebê-lo e dirigir o automóvel ao mesmo tempo. Ganhou uma bruta indenização da cadeia de lanchonetes e, em sua homenagem, foi criado o Prêmio Stella, para sentenças judiciais verdadeiras, mas absurdas. Eis aqui duas delas:
1. Carl Truman, 19 anos, de Los Angeles, foi reembolsado de despesas médicas e ganhou US$ 74 mil de indenização do motoristas de um carro que passou em cima de sua mão. O motorista deu partida e andou, sem perceber que Truman estava roubando as calotas de suas rodas.
2. Terence Dickson, de Bristol, roubou uma casa e quis sair pela garagem. O portão estava enguiçado. Tentou voltar para casa, mas a porta tinha batido e ficara trancada. Ele passou oito dias na garagem, apenas com algumas latas de Pepsi e um saco de ração para cachorro. Só saiu quando os donos da casa voltaram de viagem. Ganhou US$ 500 mil de indenização por haver sofrido “angústia mental indevida”.
Aqui no Brasil, consta que em uma comarca do interior, distante da capital, assumiram, ao mesmo tempo, o juiz e o promotor de Justiça, ambos aprovados em 1º lugar nos respectivos concursos. Com muita teoria na mente, os dois arrotavam conhecimentos jurídicos, quando deu entrada no cartório uma medida cautelar contra o município e o juiz se viu obrigado a despachar o pedido urgente de liminar.
Sem saber o que fazer, despachou: “Vistas ao Ministério Público”.
O processo foi remetido ao promotor, que, na mesma situação do magistrado, registrou nos autos: “Vi”.
O juiz não gostou do parecer do promotor e despachou novamente: “Diga o Ministério Público o que viu”.
O promotor não teve dúvida: “Vi tudo, ora!”
Sem saber o que fazer, o juiz proferiu a seguinte decisão:
“Tudo visto, sem mais objetivo, arquive-se”.
P.S. – Há coisas que só acontecem no Brasil: na terça-feira, o presidente Bolsonaro reuniu, em um café da manhã no Alvorada, os presidentes dos três Poderes da República. Objetivo: firmar um pacto de entendimento e harmonia entre eles – algo já previsto na lei. E na Lei Maior, a Constituição Federal. Pactuaram também em favor das reformas do governo federal. Coube ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, levar o esboço do acordo. Logo ele, que nem deveria estar presente, já que compete ao Judiciário o exame e julgamento de questões envolvendo as autoridades públicas.