Pedalinhos, ambulâncias ou montado numa mula não são lugares ideais para se tomar notas
Aconteceu de novo. Estava eu encostado a um poste, no Leblon, tomando nota de uma ideia que me ocorrera para esta coluna quando alguém se dirigiu a mim. Já escrevi aqui que sempre trago no bolso uma cadernetinha e uma bic, no caso de me ocorrer na rua algo que mereça ser anotado. Mas, às vezes, sou mal interpretado. O sujeito se chegou e disse: “Amigão, sonhei esta noite com um macaco. Marca pra mim a centena do bicho?”.
Ideias não são coisa que se desperdice, e todo jornalista ou escritor precisa estar prevenido. Além disso, elas não escolhem hora e lugar para se manifestar. Em táxis e aviões, acontecem a toda hora, mas já tive de anotá-las a bordo de transportes menos comuns, como um barco no rio Negro, um navio no Canal da Mancha e no Trem de Prata, que ligava o Rio a São Paulo. Outra, que me valeu um livro, me veio dentro daquele dirigível que, em 1999 ou 2000, desfilava pelos céus do Brasil.
Improvável mesmo foi numa reportagem para a revista Playboy sobre o verão na França, em 1981, quando tive de escrever num pedalinho na baía de Cannes, porque meu colega Arnaldo Klajn queria fotografar as moças na praia com os edifícios ao fundo. Não é muito fácil escrever num pedalinho em pleno mar. Nem num carro alegórico do Império Serrano, como fiz em 2008, cobrindo o Carnaval para a Folha.
Mais difícil ainda é deitado numa ambulância, não sei agora se na ida ou na volta de alguma emergência de saúde. Em comparação, é ridículo mencionar as anotações que fiz em viagens no bondinho do Pão de Açúcar ou no trenzinho do Corcovado, embora, na hora, me parecessem tarefas inadiáveis.
E nunca andei a cavalo, mas já tomei notas montado numa mula, em fins dos anos 70, numa fazenda no estado do Rio. Não me lembro mais do assunto ou da razão de estar ali. Mas tenho certeza de que, para a mula, foi uma estreia —ela nunca transportara alguém tomando notas.