Os antigos viviam na Antiguidade, e outras besteiras que escrevemos sem pensar
Com frequência leio em livros e artigos que, durante a República Velha —a do “café com leite”, entre 1889 e 1930—, os paulistas e mineiros se revezavam no poder à custa de força militar, supremacia econômica e eleições roubadas. Fico imaginando o presidente Arthur Bernardes dizendo ao seu sucessor Washington Luiz: “Decretei o estado de sítio para garantir a República Velha”. Mas é claro que esse diálogo não aconteceu. O regime era mesmo aquilo tudo, mas só se tornou a “República Velha” porque foi derrubada em 1930 e substituída por uma “nova”, que logo desandaria em ditadura.
Da mesma forma, os antigos gregos e romanos nem desconfiavam de que estavam vivendo “na Antiguidade”, assim como, em 1300, ninguém se ofenderia se fosse chamado de “medieval” —porque ainda não havia o conceito de “Idade Média”. E é claro que Dom João 6º não trouxe a corte portuguesa para o Rio em 1808. Quem fez isto foi o príncipe regente Dom João, filho da rainha, dona Maria. Só quando ela morreu e ele foi coroado, em 1816, é que se tornou Dom João 6º.
A guerra de 1914-18 também não era a “1ª Guerra Mundial”. Para seus contemporâneos, ela era a Grande Guerra, e isso já bastava. Em 1939, veio a 2ª Guerra e, só então, a Grande Guerra ficou sendo a 1ª.
Entre 1895 e 1927, o cinema era mudo, e ninguém o chamava assim, nem sentia falta do som. Mas, com o filme “O Cantor de Jazz”, com Al Jolson, começou o sonoro e descobriu-se que, antes, era o “cinema mudo”. Aconteceu também com o disco hoje chamado de “vinil”. Em seu tempo, ele era o “LP” ou apenas “disco”. Quando surgiu o CD, o LP tornou-se o “vinil”, para diferenciar. Eu preferiria que o LP continuasse a ser o LP, e o CD fosse chamado de “metal”.
Mas, para mim, o mais perturbador foi quando Millôr Fernandes me chamou a atenção para o fato de que o inventor do alfabeto era analfabeto. Eu nunca tinha pensado nisso.