O arco e a lira

Sábios que antigos, por melhores tenham sido, jamais poderiam supor a desesperação agitada, ou a agitação desesperada, com que consumimos os dias, nós, os contemporâneos deste atabalhoado início de terceiro milênio. Ainda assim, embora a relativa calma de seu tempo e hora, já intuíam a azáfama em que se atrapalhariam os humanos do futuro.

Conta-nos o monge Shuaky-Cheng, que viveu e morreu antes de Cristo, em seu insubstituível Manual do Buda Sereno, que o arco, quando excessivamente distendido, torna inútil a flecha e não a dispara em hipótese alguma; o mesmo com a lira que, as cordas tensas, dela ninguém alcança extrair nenhum som. Do mesmo modo, tanto o arco quanto a lira, se estiverem com as cordas frouxas, fácil adivinhar, também não funcionam.

Participei, aliás, não faz muito tempo, em Ouro Preto, de uma das Flop (Festa Literária de Ouro Preto), versão mineira da badalada Flip carioca. Uma das grandes estrelas do evento era então o francês Carl Honoré, autor do best-seller Devagar, um manual de instruções de como se livrar da pressa nossa de cada dia.

As “lições” do jovem professor de “how to do” ( como fazer) eram, e nem poderiam deixar de ser, de uma obviedade ululante e que não convém sequer repetir aqui. Valiam, e valem, apenas, por levantar a lebre – como diria o meu nunca esquecido compadre Jamil Snege. Não sem um esgar sarcástico que era, do escritor, a maior marca diante de qualquer assomo de mediocridade…

Nunca tantos, em tão pouco tempo, aderiram aos divãs psicanalíticos como hoje. E as estatísticas não mentem jamais – o principal “distúrbio” que motiva tal adesão a Freud e Lacan, ninguém se engane – é a ansiedade. Se a histeria foi o mal do século 19, hoje a pressa, a excitação incontrolável e o desassossego constituem a principal enfermidade psíquica do nosso aturdido presente.

Filosoficamente, sabemos, a pressa é de uma burrice inominável. O que, a rigor, desejamos montados em tal cavalo esquivo e indomável? Apressar o quê? Em última instância, inconscientemente, aspiramos à morte ou ao que Freud chamava de “a cessação da febre de viver”. Quem tem pressa deseja, no fundo, que tudo passe e passe o mais rapidamente possível. Um equívoco tolo, ademais de obscuro.

Daí que a ansiedade é quase um suicídio do Tempo ou o seu precipitado assassinato. Melhor ficar alerta tanto à corda do arco quanto às da lira. Afinar uma e outras é afinar as cordas do coração. Shuaky-Cheng que o diga com seus exercícios em louvor do sereníssimo buda que pode morar no meu e no teu coração. Quem se habilita?

***

P.S. : Permitam-me os leitores deixar registrada aqui a minha profunda gratidão pelos incontáveis e-mails, telefonemas, cartas e telegramas, de todos os quadrantes do Brasil, em solidariedade pela perda, semana passada, de minha mãe, a inesquecível Maria Aparecida Bueno (1927-2007).

Wilson Bueno [28/10/2007] O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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