O Brasil em ritmo de lacração

O Brasil está cada vez mais contaminado perigosamente pelo clima de irresponsabilidade que domina as redes sociais. Está tudo dominado por encenações no Twitter, Facebook e outras plataformas, nas quais até mesmo autoridades escrevem o que lhes vêm na cachola, sem o devido respeito e responsabilidade com o cargo ocupado.

A bobajada começa pelo espantoso presidente da República, é claro. Nesta toada, haja conversa fiada, ataques irresponsáveis, denúncias sem fundamento, acusações e ameaças, mentira em cima de mentira, tudo isso que virou uma prática cotidiana acabou invadindo a linguagem em instituições de Estado, fazendo um remelexo emporcalhado no que é falado em lugares onde devia haver não só um zelo com as palavras como também responsabilidade com o que é dito.

Nesta quarta-feira o deputado Alexandre Frota — já instalado no PSDB depois de ter sido expulso do PSL de Jair Bolsonaro — falou na tribuna da Câmara sobre o desentendimento com o presidente, que hoje em dia diz que nem sabe quem ele é. Até aí, nada demais, pelo menos neste conceito de normalidade meio de cabeça pra baixo em que está o país.

Mas acontece que na sua fala, com certeza planejada para publicar como um desses vídeos que costumam viralizar entre a tigrada que adora um arranca-rabo entre políticos, o deputado disse que não se deve mais perguntar onde é que está o Queiroz, referindo-se ao sujeito que foi o braço direito de Flavio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Frota, que até há pouco tempo era bastante próximo de Bolsonaro e de seus filhos, disse que a pergunta agora deve ser “onde está enterrado o Queiroz”.

Como se sabe, Queiroz sumiu depois da descoberta pelo Coaf de transações bancárias suspeitas que envolvem o filho de Jair Bolsonaro, inclusive tendo feito um depósito em dinheiro na conta da primeira-dama. Pois bem: um deputado que há poucos dias era da base aliada do governo sobe à tribuna da Câmara e praticamente afirma que o sujeito está morto, obviamente insinuando que a morte não foi natural. Dali vai para seu gabinete, espalha o vídeo pelas redes sociais e tudo fica por isso mesmo.

Claro que em um país que não estivesse neste estado de total falta de respeito com a lógica e nesta acomodação em não levar nada a sério haveria exigência de que Frota falasse do que sabe de fato sobre o desaparecimento do Queiroz, afinal ele disse que o suspeito está morto. Seria o caso até da Câmara começar a cuidar oficialmente de uma denúncia de tal importância. Trata-se do investigado em um caso que envolve o filho e a mulher do presidente da República.

Mas qual nada. A tribuna da Câmara e qualquer grupo fuleiro de Whatsapp se equivalem em valor na ordem do dia, no mesmo nível de fofoca, desinformação e total irresponsabilidade. O país todo gira despreocupadamente em ritmo de tuitadas, no compartilhamento da mesma falta de efetividade, sem preocupação com a seriedade do que se escreve ou é dito, com dirigentes e políticos buscando aquela lacradinha, os Poderes todos servindo meramente para arrumar uns likes a mais.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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