Moro rejeita a cloroquina

SÉRGIO MORO deixa o governo Bolsonaro. Entre a cloroquina e a quarentena, optou pela segunda, que a primeira significaria permanecer, desmoralizado, no governo. O ex-juiz da Lava Jato entrou no governo com o cacife de ter ajudado, com seu prestigio, a eleger o presidente. Com isso obteve a ampliação de seu ministério e uma autonomia excessiva na escolha de auxiliares, especialmente Maurício Valeixo, diretor da PF e pivô de sua saída.

O agora ex-ministro, por ignorância ou arrogância, desconheceu duas evidências, tanto do ser humano quanto do ser político. O ser humano não tolera dever gratidão. Com o tempo desenvolve ressentimento contra seu credor, ao qual dia a dia reduz o tamanho da dívida, convencendo-se de um crédito maior que a dívida.  O mesmo acontece com o político, a quem se agrega o elemento voto e mandato: uma vez obtidos, estes valem mais que a dívida que ajudou a eleição.

O ministro da Justiça, como o personagem de Garcia Márquez, era a “crônica da morte anunciada”. Estava marcado para morrer desde que a PF exerceu, com a independência reclamada por Sérgio Moro, as investigações que chegaram perto do conúbio entre a família Bolsonaro e a corrupção na assembleia legislativa do Rio. A gota d’água foi a investigação recente, que identifica as digitais de Carlos Bolsonaro nos ataques virtuais ao STF. Isso não pode. O presidente não governa para o Brasil, governa para os filhos.

A queda do ministro resume-se a isso, a um fato da vida de quem apostou alto sem conhecer o jogo, no qual havia alguém que pagou para ver. Simples. Ao demitir Luiz Henrique Mandetta e continuar firme apesar do repúdio de 64% da opinião pública, Jair Bolsonaro viu-se livre para apostar na demissão do chefe da PF. Moro pagou para ver e perdeu. Problema dele, a quem agora resta apenas conferir se o seu capital continua alto até 2022, eleição presidencial, um panorama cheio de incertezas.

Sérgio Moro fez um Getúlio pós-moderno: deixa o governo para entrar na História. Sua história agora será reescrita, primeiro pelos bolsonazis, bolsoignaros e bolsomínios, que inventarão algo podre sobre ele e o diretor da PF para tapar o sol do desvio de finalidade do presidente com a peneira do favoritismo a seus filhos e de governar com o fígado, não com o cérebro. Aos que sempre foram críticos do ministro resta um elogio, ainda que forçado, a seu gesto de dignidade pessoal.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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