A Forças Armadas do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de poder. Também não aceitam tentativas de tomada de poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”.
A nota emitida por Jair Bolsonaro, co-assinada pelo vice presidente Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo. Não foi gratuita; veio em resposta a despacho do ministro Luiz Fux, do STF, ao interpretar o art. 142 da Constituição sobre o papel das forças armadas. Disse o ministro que elas não constituem mais um poder moderador, mas são instrumentos de cumprimento da lei, da ordem, da segurança e estabilidade dos poderes constituídos.
A decisão do ministro também não foi gratuita. Tenta conter o avanço do presidente sobre as ordens jurídica, política e pública. Dar um basta à velharia de poder moderador, alma penada, fantasma vagante da constituição do Império. Com a República, as forças armadas investiram-se como titulares informais do poder moderador. Seis constituições passadas (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1985), o fantasma assombra a cada vagido de democracia.
A mensagem de Bolsonaro celebra e alimenta nosso auto-engano: assinada por um presidente que mantém mais de quinze generais em seu ministério; que no primeiro susto que levou no cargo correu pedir nota de apoio ao ex-comandante do Exército; por um vice-presidente com passado de inimigo da ordem constituída, que no comando general de unidade militar atacou a presidente da República em exercício; e para acrescentar mais uma venda à nossa cegueira, o apoio do ministro da Defesa.
Ministro da Defesa, sim, senhores. Acaso estamos em guerra? Para o presidente e os cossignatários, sim, pois no governo Bolsonaro a guerra se faz em solo pátrio, entre compatriotas, os adversários vistos como inimigos a serem dizimados. A quem a nota é dirigida? Ao STF ou ao Legislativo? Não, é dirigida aos militares da ativa. Avisa que um poder civil sinaliza contrariedade ao poder moderador, cultuado pelos militares a partir de sua formação nas academias das forças.
O presidente, o vice e o chefe das Forças Armadas não avisam que o Brasil está em risco. Avisam que – na sua particular, corporativa e deformada leitura – as Forças Armadas estão em risco, no risco de ser substituídas pelo poder civil, que é tolerado e por isso tem que ser moderado. Nem o novo conceito político – o absurdo – engendrado pelos pensadores bolsonáricos, ameniza o drama. Ou a retórica da ditadura – “tentativas de tomada de poder por outro Poder da República -, renascida e requentada.
A leitura correta da nota é a seguinte:
“as Forças Armadas não cumprem ordens absurdas; por exemplo, a tomada de poder (“de”, não seria “do”?) por outro poder da República, por conta de julgamentos políticos”.
Traduzindo, a tomada de poder só é legítima se decidida pelo poder executivo, que as comanda e é apoiado e comanda as Forças Armadas, quando identifica ordens absurdas de outros poderes. Acima de tudo quando identifica o arrepio das leis. Julgamentos políticos não serão tolerados, quando se dirijam à tomada do Poder Executivo. O impeachment é julgamento político, como no caso de Dilma Rousseff, que teve o apoio e o voto inflamados do então deputado Jair Bolsonaro.
Assim, caros compatriotas do auto-engano, cegos auto assumidos, o presidente Jair Bolsonaro e os generais vice e ministro da Defesa, nos apresentam seu projeto de AI-5, aquele tão reclamado pela horda desvairada bolsoignara, bolsonazi. Como o AI-5, o presidente – mais o vice, mais o ministro da Defesa – acenam com o ato que anestesia e castra a Constituição. Como na ditadura militar, ele irá nos brindar com o tribunal moderador bolsoignaro, acima do Congresso, acima do STF.