Padrelladas

Diário da Pandemia

Nos invernos do passado eu tinha como agasalho acolchoados de penas que minha mãe fabricava. As noites eram tranquilas, sem tiritares de frio, sem bate-queixo, nem nada. Dormia ilhado nas penas que minha mãe nos provia. Hoje, na frialdade das noites, não consigo descansar ouvindo os quem-quem das aves que perderam a cobertura para eu me agasalhar. Pedem de volta suas penas, as penas que já nem tenho, as penas que apenas sinto

Minha professora de Português do tempo de ginasiano me aparece vestindo um penhoar, os cabelos cheios de bobes e a cabeça encoberta por lenço protetor de bobes. Ela veio porque me escutou dizendo “lágrimas me saíam dos olhos…” – E de onde mais poderiam sair lágrimas, pedaço de um burro? Das orelhas? Desciam-lhe as lágrimas dos ouvidos. Ou do nariz? Ou desciam-lhe melecas dos olhos? Assim como veio, ela se foi. Além da alegria de revê-la ficou outra alegria – saber que ela ainda era minha professora estivesse onde estivesse.

Tinha o hino da cidade. Palmeira, endêmico rincão. Dona Maria, o que é endêmico? Endêmico é o teu cérebro, pedaço de um burro. É edênico. Do Éden, do Paraíso. Com boas auras tutelas nosso lar. Dona Maria, o que é tutelas? Ele me olha do fundo da vida: Olha se eu tiver que voltar outra vez vou tirar um ponto na nota da prova.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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