É patético ver Jair Bolsonaro ainda defendendo o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19, mas ele fica ainda mais ridículo tentando influir diretamente sobre o exercício da atividade médica, para justificar sua obsessão.
Em tuítada nesta segunda-feira em defesa do uso do remédio, o presidente compartilhou uma nota da Associação Médica Brasileira (AMB) que cita a autonomia do médico como argumento favorável à prescrição do uso da hidroxicloroquina para pacientes com Covid-19.
“É importante lembrar que o uso off label (fora da bula) de medicamentos é consagrado na medicina”, escreveu Bolsonaro. Opa, mais um pouco e este sujeito estará frequentando congressos médicos. Foi um mau militar, como dizia o general Ernesto Geisel, mas pelo jeito resolveu experimentar seus amplos conhecimentos na área médica.
Agora o “especialista” coloca em pauta a “autonomia do médico”, para manter no ar o repetido assunto da cloroquina, mesmo já estando em falta outros remédios importantes no tratamento da doença. Estão faltando até mesmo medicamentos para entubação de pacientes graves, mas ele só fala em cloroquina, que foi fabricada em excesso. É a conhecida política bolsonarista de levar os brasileiros a desperdiçar esforço em batalhas vazias.
No sábado passado, a Sociedade Brasileira de Infectologia tratou desses problemas em informe no qual pediu que o Ministério da Saúde pare de gastar dinheiro público “em tratamentos que são comprovadamente ineficazes”. Segundo a instituição, “é urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da Covid-19”.
O informe destaca que estudos feitos em pacientes com Covid-19 em 40 estados americanos e 3 províncias do Canadá “não teve nenhum benefício clínico: não houve redução na duração dos sintomas, nem de hospitalização, nem impacto na mortalidade”. Nos estudos, o uso de placebo ou cloroquina em grupos separados de pacientes teve o mesmo resultado: nenhum.
Claro que isso não fará Bolsonaro desistir da repetição de um tema que só tem atrapalhado durante esta pandemia, que já causou mais de 80 mil mortes no Brasil. Agora ele está até apelando para a “autonomia do médico”, entrando em um debate que não é da sua alçada.
Ele parece muito ocupado com questões profissionais bem distantes das suas reais obrigações. Mas como vão os trabalhos que lhe dizem respeito diretamente?
Peguemos, por exemplo, o registro do partido que ele pretende fundar, o Aliança pelo Brasil. Pelo menos em tese, eis um assunto que ele deveria dominar bem. Pois até hoje seu partido só tem o nome. Nas eleições municipais deste ano, Bolsonaro terá de se virar sem uma sigla própria, que pode estar pronta para 2022, mas nem mesmo para o ano de eleição presidencial sente-se muita firmeza de que terá obtido o registro.
Até agora foi um fiasco a busca das assinaturas necessárias para o encaminhamento ao TSE. O fracasso do partido de Bolsonaro é um dado importante sobre as dificuldades de seu futuro político. Até a semana passada, o Aliança pelo Brasil conseguiu apenas 15.721 das 492 mil assinaturas de apoio exigidas pela legislação: 3,2% do mínimo necessário. A Folha de S. Paulo descobriu que 25.384 assinaturas foram rejeitadas pelo TSE por vários motivos.
Parece que na função de fundador de partido político o nosso especialista em cloroquina não vai nada bem. Como eu apontei, ele agora até fortalece as fileiras dos defensores da “autonomia do médico” para receitar o remédio que julga milagroso, no entanto tem sérias dificuldades para conseguir apoio suficiente para seu projeto político.
Mesmo com Bolsonaro no poder, não está fácil arrumar quem seja doido para correr o risco de assinar embaixo, avalizando seu partido.