Pauta de costumes: prazeres do papa Francisco e os zumbis do pastor Ribeiro

Os tempos mudam. Durante a campanha, Bolsonaro prometia que seu governo seria “conservador nos costumes e liberal na economia”.

Hoje, não é uma coisa nem outra, nem se fala mais em combate à corrupção, muito menos no fim da “velha política do é dando que se recebe”.

Ainda às voltas com problemas da família na Justiça, nos últimos três meses o ex-capitão deu um cavalo de pau: escapou da ameaça de impeachment, recuperou a popularidade com o auxílio emergencial e agora quer desenterrar a pauta de costumes para ninguém mais falar em questões menores como pandemia e desemprego.

No mundo de fantasia em que vive, cercado de áulicos e generais de pijama, o presidente só pensa na campanha pela reeleição, antes de completar metade do seu mandato. É só o que lhe interessa e o resto que se dane. Reeleição para quê?

“A gente quer tocar homeschooling (educação familiar), armas e trânsito”, anuncia Ricardo Barros, o líder do Centrão e do governo na Câmara.

Em outras palavras não ditas: prioridade para o governo é liberar geral armas e munições, implodir o sistema de ensino público e “flexibilizar” as regras do transito.

Apoiado nas bancadas da Bíblia, do boi e da bala, coordenadas pelo Centrão velho de guerra, Bolsonaro conta agora com ampla maioria no Congresso e a boa vontade do novo presidente do STF, Luiz Fux, que já deu sinais de colocar em pauta temas caros ao governo.

De tudo isso, o que mais me preocupa é o que vão fazer da Educação brasileira, já tão maltratada, relegada a segundo plano e submetida à cartilha ideológica do bolsonarismo radical do celerado Abraham Weintraub, promovido a uma sinecura no Banco Mundial.

Quem sabe me dizer o nome do terceiro ministro da Educação, um pastor presbiteriano, que assumiu há três meses e sumiu do mapa, sem consultar o Google?

Sem ter apresentado até agora qualquer plano de trabalho, omisso nas discussões sobre a volta às aulas, Milton Ribeiro _ esse é o nome dele _ surgiu esta semana no noticiário para dizer a que veio. Dá para imaginar o que vem pela frente.

Por uma dessas coincidências da vida, seu pensamento foi publicado neste domingo na seção de “Frases da Semana” da Folha, junto com uma declaração do papa Francisco no livro “Terra Futura”, de Carlo Petrini, sobre ecologia integral, lançado esta semana na Itália.

São duas visões de mundo antagônicas, que vale a pena comparar.

Prazeres _ Papa Francisco: “O prazer de comer serve para manter uma boa saúde, da mesma forma que o prazer sexual serve para embelezar o amor e garantir a continuidade da espécie (…) O prazer de comer e o prazer sexual vem de Deus”.

Zumbis _ Milton Ribeiro: “Nós temos hoje no Brasil, motivados creio eu, meu diagnóstico, por essa quebra de absolutos e de certezas, verdadeiros zumbis existenciais. Os jovens não acreditam mais em nada, desde Deus a política”.

Os dois falam de Deus, mas o Deus de um nada tem a ver com o do outro. Foi muito feliz o editor da coluna ao colocar os dois juntos.

Enquanto o papa fala dos prazeres da vida que vem de Deus, apontando para o futuro, o pastor Ribeiro chama os jovens de zumbis que não acreditam em Deus, remetendo a um passado remoto.

Zumbi é ele, que num país laico confunde Educação com Religião.

Antes de assumir o cargo, o pastor Ribeiro já defendeu que as crianças devem ser educadas com “dor”, porque a “correção é necessária para a cura”.

Dor, correção, cura, é isso que podemos esperar do “homeschooling” do ministro de um governo movido a medo e ódio?

Indicado pela bancada evangélica, o pastor só costuma dar o ar da graça no telão da sua igreja em Santos, no litoral paulista, onde prega que “sem fé, jovens brasileiros são zumbis existenciais”.

Os tempos mudam, mas esse governo continua ancorado nos dogmas de “absolutos e certezas”, como a de que a ditadura nunca existiu. Milton Ribeiro não é causa de nada, apenas mais uma sequela daqueles tempos sombrios que continuam assombrando o país e ameaçando voltar. Vida que segue.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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