Bolsonaro abraça a TV Brasil

Abraços são demonstrações de afeto, de alegria ou de força nos momentos de dor. Por vezes, naufragam oportunistas. Por outras são imorais, ilegais ou ambos. Há duas semanas, o caloroso abraço entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Supremo Dias Toffoli selou a reedição dos eternos conluios brasilienses, nos quais os participantes gargalham de quem ousa mexer no arranjo. Na terça-feira, dois outros abraços, desta vez enviados ao presidente durante o jogo Peru x Brasil, também foram simbólicos, escancarando a farsa de que ele teve algum dia a pretensão de extinguir o que nasceu para ser TV Lula e agora é TV Bolsonaro.

A armação para que a TV Brasil transmitisse a partida depois que a Globo se negou a pagar a fortuna exigida pelos peruanos continua sendo uma incógnita. Ninguém sabe quanto custou e, muito menos, quem pagou. Mas todos os 4% de telespectadores que deram ao canal a maior audiência de sua história – em alguns picos chegou a registrar 12% – ouviram o narrador André Marques mandar abraços para Bolsonaro e seu secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, e também para o presidente da CBF, Rogério Caboclo. Algo imoral, irregular, ilícito. Impossível de se admitir em uma TV dita pública.

Dois pedidos, um no Ministério Público Federal e outro no Tribunal de Contas da União, foram protocolados pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) para que se investigue o uso da TV Brasil como promoter de Bolsonaro. Fala-se ainda em uma ação pública contra a utilização do canal para o oba-oba pró-presidente.

A Bolsonaro, para quem o Estado é puxadinho de sua casa e casamata para sua família, pouco importa se a publicidade é ilegal ou amoral. Entronizou Kassio Nunes Marques, seu escolhido para o STF, ao abraçar Toffoli, e abraçou de vez a mastodôntica TV Brasil, a mesma que ele jurava vender ou fechar por não “servir para nada” e “ter traço de audiência”.

Criada por Lula em 2007, a TV Brasil é uma sucessão de absurdos. É o ativo mais caro da EBC – seu custo supera em mais de 10 vezes o da Agência Brasil, principal canal de notícias do governo – e o que gera menos benefícios. A não ser para os seus 1.800 funcionários e, claro, para o presidente de plantão. Já consumiu mais de R$ 500 milhões ao ano nos tempos áureos, baixando para R$ 153 milhões no último ano do governo Michel Temer.

A ideia de acabar com a TV Brasil nunca foi levada à sério. Já nos primeiros dias de governo, Bolsonaro foi seduzido pelos militares a transformá-la em um canal assumidamente governista. Nada desse papo de TV pública. O melhor, diziam, era mantê-la ativa, reprogramá-la, enxugá-la.

Da boca para fora repetiam a mentirinha de que queriam criar algo semelhante à BBC, com participação privada. O mesmo blá-blá-blá da era Lula.

Diziam ainda que seria feita uma redução severa nos custos da emissora. Qual o quê. Em 2019, a TV Bolsonaro comeu R$ 138,3 milhões e de janeiro a setembro deste ano já engoliu mais de R$ 144,8 milhões. Até dezembro baterá facilmente os gastos de Temer. Vai precisar, portanto, de distribuir muitos abraços em troca de empurrões misteriosos como os da CBF.

Fábio Faria, ministro das Comunicações, chegou a acalentar o sonho de ampliar os horizontes da TV governamental, utilizando-a como ponta de lança para dar um trato na combalida imagem do Brasil no exterior. Seria uma versão global, uma TV Bolsonaro World que, para o bem do contribuinte brasileiro e do país, não saiu do papel.

Mais do que uma TV para chamar de sua – até porque a audiência dela continuará sendo traço sem os gols de Neymar -, Bolsonaro e seu time mexem na comunicação pública sem qualquer escrúpulo. No afã de derrubar a “arquiinimiga” Globo, distribuem verbas publicitárias sem respeitar critérios objetivos de audiência, privilegiam canais evangélicos e influenciadores digitais amigos.

O processo aberto no Supremo Tribunal Federal para investigar fake news e atos antidemocráticos determinou o recuo dos combatentes bolsonaristas que se utilizavam da publicidade imoral, financiada por fontes escusas. Ao mesmo tempo, exigiu mais dos que lidam com a oficialidade. Deles vem a multiplicação dos abraços que afogam o país. Todos os dias e em todos os sentidos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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