Recebi uma cartinha do Papai Noel. Logo eu! Não posso deixar de transcrever:
“Você é dos que nunca me pediram nada. Ser desacreditado tem esse viés prático: milhões de cartas pedinchonas a não ler, oh oh oh.
Foi a pouca quantidade de destinatários que me fez escrever a vocês, incrédulos, e não aos que têm fé em mim. Eles não entenderiam a difícil decisão que tomei. Nem eu estou bem certo, mas agora é tarde para voltar atrás.
Foram centenas de anos – mas quem está contando? ho ho ho – atendendo esperançosos, ansiosos, gananciosos, entre outras rimas. As pessoas apelam a mim por costume e eu, por hábito, jamais fiz ouvido de mercador.
Existo por uma razão razoável: para não desocupar o imaginário da humanidade. Não me custa manter essa antiguíssima tradição, distribuir ilusões a gente à beira da desilusão. O Natal é algo ilusório, sempre foi: fosse realista, não seria natalino.
Em 2020 não quero iludir ninguém. Vou ficar naquele lugar que a maioria acha que fica no Polo Norte. O trenó na garagem, as renas junto à lareira. É meu day off! Ops, quis dizer night off, ho ho ho.
Nada de encher o saco, cruzar o céu estrelado, descer chaminés inexistentes. Nem mimetizar, sob arvorezinhas piscantes, meus mimos fictícios entre presentes reais.
Para seguir a rotina, este ano eu teria de sair mascarado. Já pensou, máscara sanitária sobre a máscara de fantasia? Ho ho ho. Não posso me prestar a esse desserviço: o distanciamento social é mais importante que qualquer embrulho.
É melhor que eu fique fora das celebrações, das festas, dos ajuntamentos. Que não me usem como pretexto para arriscar vidas. Ano que vem libero geral.
Quem sabe você, entre aqueles que não acreditam no bom velhinho mas crê em medidas preventivas, possa retransmitir isso.
Muito agradecido pela temporária suspensão da descrença. Um inacreditável abraço do Papai Noel.”