Bolsonaro e o Brasil ladeira abaixo

Enquanto o maldito coronavírus continua ceifando a vida dos brasileiros, o capitão presidente vai construindo puxadinhos do Palácio do Planalto e neles armazenando o que há de pior na vida pública nacional. Já havia acomodado Alexandre Ramagem, na Abin; Rolando Alexandre de Souza, aliado da prole bolsonariana, na direção-geral da Polícia Federal; e André Luiz de Almeida Mendonça, no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Aí, instalou Augusto Aras na Procuradoria Geral da República e começou a instrumentalizar o Supremo Tribunal Federal com o até então obscuro Kassio Nunes Marques, chancelado pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Quer dizer, a fina flor do rebotalho verde e amarelo.

Na segunda-feira, foi o dia de Bolsonaro colocar o coturno no Legislativo. Colocou o inexpressivo Rodrigo Pacheco na presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional, com o apoio do PT, PDT, Rede e parte do MDB, destacadas siglas da “oposição”. Na fala inicial, o senador de primeiro mandato, defendeu a “pacificação das relações políticas e institucionais”, sem especificar quais seriam essas relações, e reafirmou o compromisso com a independência do Senado, em nome da governabilidade. Quer dizer, sob o comando do presidente da República.

Para a presidência da Câmara dos Deputados, mais do que nunca despida de talentos, o capitão Messias escalou um legítimo representante da oligarquia alagoana, Arthur Lira, pessoalmente afinado com a conduta da família bolsonariana: é suspeito de envolvimento em desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa de Alagoas, entre 2001 e 2007. Quer dizer, “gente nossa”.

De acordo com a Procuradoria Geral da República, então comandada por Raquel Dodge, a fraude se dava, como de costume, a partir da apropriação de parte dos salários de funcionários e também da inclusão de falsos funcionários na folha de pagamento da Assembleia. Eles repassavam o dinheiro destinado ao pagamento de salários aos deputados ou a pessoas indicadas pelos parlamentares. Segundo a denúncia, de 2001 a 2007, Arthur Lira movimentou em sua conta mais de R$ 9,5 milhões.

Durante o cumprimento dos mandados judiciais, teria sido apreendida em uma das residências de Lira uma planilha denominada de “cheques em aberto a vencer” no total de mais de R$ 1,3 milhão. Documentos indicam que o desvio de recurso em questão resultava em uma renda mensal de R$ 500 mil ao parlamentar.

Segundo a denúncia, “o grupo criminoso liderado por Lira também utilizava empresas de terceiros para simular negociações jurídicas/financeiras, buscando operacionalizar o desvio de recursos e ocultar a origem ilícita”.

Infelizmente, quando da denúncia, em 2018, o crime de formação de quadrilha já tinha prescrito pela demora do andamento judicial. Por isso, o então deputado foi apenas denunciado pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.

A Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas condenou Lira por improbidade administrativa. A parte criminal chegou a ser enviada ao Supremo Tribunal Federal, mas foi reencaminhada de volta ao TJ de Alagoas por causa da mudança de entendimento sobre o foro. No momento, o caso segue em andamento, em sigilo, claro.

Enquanto isso, sob a proteção de Jair Messias, Arthur Lira ocupa a chefia da Câmara Federal, a quem cabe receber e processar pedidos de impeachment do presidente. Quer dizer, sem risco de sobressaltos.

Jair Bolsonaro – como registrou a Folha de S. Paulo em editorial – “consumou o estelionato eleitoral ao despir-se dos últimos fiapos do disfarce de vingador da política que vestiu em 2018. Enganou apenas quem não acompanhou seus sete mandatos como deputado federal especializado na arraia-miúda das transações parlamentares”.

E assim, de puxadinho em puxadinho, o capitão vai tocando o seu trolinho ladeira abaixo, agora com três únicas preocupações na cabeça: manter-se no poder, afastar os filhos da cadeia e reeleger-se em 2022.

Em decomposição, o Brasil aguenta? Até quando?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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