Como publicado, a imprensa perdeu a sala que ocupava no Câmara desde 1960. Foi transferida para outra no subsolo, sem janelas e longe do plenário. A sala antes destinada aos jornalistas que cobriam o trabalho de deputados e senadores se tornará o gabinete de Arthur Lira, o réu que virou presidente da Câmara com a bênção de Jair Silvério dos Reis Bolsonaro, braço do Centrão no Palácio do Planalto (como cantarolou o General Heleno quando era o General Heleno, “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”).
Esta é uma boa metáfora: jornalistas colocados numa sala no subsolo, sem janelas e longe do plenário. Metáfora do que fez boa parte da imprensa tradicional, com exceções nesse ou naquele ponto, desde a campanha de 2018. Quem a pôs na sala aviltante não foi Arthur Lira, mas ela própria. A imprensa tradicional começou a perder as janelas ao tentar deslegitimar a candidatura de Jair Bolsonaro e legitimar a do poste de um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e que tinha no prMarioograma de governo inicial controlar a imprensa e o Judiciário. Era tudo o que Bolsonaro queria: ter justificativa para atacar os jornais, colocando o noticiário verdadeiro no mesmo saco das fake news. O restante das janelas foi fechado quando a grande imprensa aderiu ao crime e publicou as mensagens roubadas da Lava Jato, com o cálculo de enfraquecer Bolsonaro por meio do ataque frontal ao então ministro Sergio Moro e libertar Lula, esse democrata que virá como Deus ex machina para nos salvar do sociopata.
O tiro saiu outra vez pela culatra, o que faz pensar que no Brasil a culatra é o caminho certo das balas, dado que elas quase sempre saem por ali, O maior beneficiado com os ataques a Moro foi Silvério dos Reis Bolsonaro, veja só, que nem se deu ao trabalho de fingir repulsa com a vergonha protagonizada ontem na Segunda Turma do STF — tribunal fiscalizado somente pela Crusoé. O mais recente traidor da Pátria provavelmente terá o adversário dos seus sonhos nas eleições de 2022, se nada ocorrer até lá: um PT absolvido.
Enquanto a maior parte da grande imprensa preocupava-se mais com solapar a credibilidade da Lava Jato, o Centrão avançava na Câmara e no Senado, sem que a indignação jornalística aumentasse na mesma proporção. Os acordões do Centrão com Silvério dos Reis Bolsonaro foram tratados, no mais das vezes, como assunto trivial por repórteres, analistas e editorialistas, como se Rodrigo Maia — o Botafogo, senhores — fosse capaz de fazer frente ao monstro que ele também ajudou a criar. A maior preocupação era registrar as falas delinquentemente diversionistas do traidor da Pátria, sobre a pandemia. Enquanto tudo dava errado para o país, a coisa dava certo para os suspeitos habituais. Como revelou Diego Amorim, jornalistas de grandes redações até aceitaram jantar no apartamento funcional do réu Arthur Lira, no início da campanha dele à presidência da Câmara, para tê-lo como fonte. Toparam ir ao subsolo. Quando se viu, era tarde demais. Quem se afastou da sua verdadeira tarefa no plenário da Câmara, portanto, foi a própria imprensa.
Subsolo, sem janelas e longe do plenário: ao réu Arthur Lira coube apenas fazer a metáfora de uma culpa que não é dele. Arthur Lira não vale nada, mas nunca disse que valia. Ele cumpre o seu papel.
Mario Sabino