Os generais da banda

Pobre exército brasileiro, em grande parte tomado pela tropa desprezível dos puxa-sacos incompetentes, de um lado; e pelas viúvas ardilosas da ditadura, de outro

Não parece. Mas é carnaval e me vem à memória uma marchinha dos anos 50 eternizada por Blecaute. “Chegou o general da banda, ê, ê/Chegou o general da banda, ê, a/ Mourão, Mourão/ Vara madura que não cai/ Mourão, Mourão/ Oi catuca por baixo que ele vai”. A música tratava com irreverência os comandantes militares e Blecaute só a interpretava paramentado de general. Bons tempos.

Hoje, soa como provocação aos militares e ao general Mourão, vice-presidente da República. Mas não é essa a intenção. A marchinha foi lembrada pelo carnaval e, também, pelas figuras de dois outros generais que têm o mesmo nome – Eduardo – e dominaram o noticiário nos últimos dias. Dois generais da banda, da banda podre do Exército.

Um é o indigente ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, aquele capacho do “é simples assim: um manda, o outro obedece”. Aceitou a função – depois que dois médicos foram dela afastados – para cumprir os caprichos insanos de quem anunciava ter nas mãos o remédio milagroso para acabar com a “gripezinha” que prejudicava seu governo. É o general de confiança, cão de guarda fiel, por mais danosos que sejam os desmandos do chefe na pandemia. Não passa de um sargentão de quartel.

O outro é o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, aquele que se arvora em guardião da lei e da ordem e considera-se no direito de decidir o que é bom e o que é ruim para o país numa intromissão indevida na política nacional. E não age sozinho. Acaba de reconhecer que as mensagens que espalhou em 2018, ameaçando o STF às vésperas do julgamento do habeas corpus contra a prisão de Lula refletiam o pensamento da alta cúpula da instituição. Essa pressão levou Lula para a prisão e Bolsonaro à vitória, que o medíocre capitão fez questão de atribuir ao general.

Pobre exército brasileiro, em grande parte tomado pela tropa desprezível dos puxa-sacos incompetentes, de um lado; e pelas viúvas ardilosas da ditadura, de outro. Hoje, bate continência reverente e agradecida para um governo que abriu as portas para a contratação de militares no serviço público – são mais de 6 mil, o dobro desde a chegada de Bolsonaro ao poder – e os cofres, não só para melhorar o soldo de toda a tropa e mantê-la fora dos malefícios da reforma da previdência, como para garantir a compra de seus brinquedinhos bélicos ou enriquecer o cardápio no “rancho” do oficialato. Mais de R$ 110 bilhões, agrado bem gordo para assegurar apoio irrestrito.

Pazuello está em maus lençóis. Parece ter sido jogado aos leões pelo capitão que, de repente, abjurou – não fala, não receita, nem anda mais com cloroquina nas mãos a correr atrás até das emas do Alvorada. O general só chegou ao cargo de ministro porque se dispôs a executar tudo o que o seu chefe mandava e os antecessores não cumpriam – como baixar o protocolo que permitiu a prescrição da droga ineficaz na rede do SUS. Ganhou do chefe, em reconhecimento, a promessa de uma quarta estrela, o que o introduziria no olimpo verde-oliva.

Ele veio com a fama de ser um militar experiente – cuidou do depósito de munições do Exército, tratou dos refugiados venezuelanos em Roraima e comandou a 12ª Região Militar, em Manaus – e o atributo de ser um especialista em logística, o que se revelou completamente falso diante do caos que vem sendo a distribuição das poucas vacinas de que o Brasil dispõe, até por culpa dele, que não levou adiante negociações com a indústria.

É visível o desconforto com que se apresenta para explicações que não convencem, tantas são as mentiras deslavadas – cloroquina? Nunca encomendou, nunca prescreveu, nunca distribuiu… Só faltou dizer que não tomou e nem sabe do que se trata. Mas vai ter de convencer o Tribunal de Contas da União da sua inocência e botar na conta do capitão a ordem de produzir quantidades absurdas de uma medicação comprovadamente ineficaz. Afinal, como já disse, “é simples assim: um manda, o outro obedece”.

O outro general Eduardo, o Villas Bôas, foi o todo poderoso do Exército até o fim do governo Temer. Em entrevista ao pesquisador Celso de Castro, da Fundação Getúlio Vargas, ele conta só agora que as polêmicas postagens que fez às vésperas do julgamento pelo STF, em 2018, do habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula para que ele pudesse recorrer da condenação em liberdade, não foram obra sua apenas.

Villas Boas diz que seu estafe e os integrantes do Alto Comando que residiam em Brasília elaboraram um rascunho que foi encaminhado a todos os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, chegou-se a um texto final que foi publicado em dois posts seus no Twitter. Num deles, o recado claro ao STF: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”.

O Supremo acusou o golpe. O habeas corpus não foi concedido por 6 votos a 5, abrindo caminho para inviabilizar a candidatura de Lula. O ex-ministro Celso de Mello, porém, ao votar pela concessão do HC, alertou que as mensagens “parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional”.

À época, Villas Bôas deu a entender, em entrevista à Folha de S.Paulo, que pretendia “intervir” caso o HC fosse concedido. “Temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar.”

Ao confessar agora que as mensagens foram articuladas pelo alto comando, ele alega demandas por intervenção militar, possível convulsão social, um episódio “oportuno”, e diz que o recado foi apenas um alerta, “muito antes que uma ameaça”. Ah, bom…

Para completar:

– Mais uma pérola do general Villas Bôas. Na entrevista, ele alega que não houve pedido de desculpa das Forças Armadas por crimes cometidos na ditadura militar de 1964 a 1985 por medo de punição na Justiça. Não é incrível?

– Outra: “Quanto maior a ênfase, por exemplo, nas teorias de gênero, maior a homofobia; quanto mais igualdade de gêneros, mais cresce o feminicídio; quando mais se combate a discriminação racial, mais ela se intensifica; quanto maior o ambientalismo, mais se agride o meio ambiente; e quanto mais forte o indigenismo, pior se tornam as condições de vida de nossos índios”. Não é espantoso?

– Enquanto isso, recorde na média móvel de mortos pela Covid-19: 1.105 por dia. E estamos perto dos 10 milhões de casos.

– “Eu quero vacina, respeito, verdade e misericórdia.” Salve, Rainha.

Luiz Antonio do Nascimento

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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