Uma ilusão chamada justiça

Se ministros do Supremo Tribunal Federal tivessem consciência, perguntar-lhes-ia, com mesóclise temeriana, como estavam se sentindo depois da estúpida decisão da semana passada envolvendo a Operação Lava-Jato e o ex-juiz Sérgio Moro. Mas como, em sua maioria absoluta – como se sabe e eles próprios reafirmam cotidianamente –, não têm, abstenho-me de tão constrangedora indagação.

Quando aposentei-me do egrégio Tribunal de Justiça do Estado, depois de 35 anos de presença constante, afirmei a um eminente desembargador daquela corte, com quem eu tinha certa proximidade e que fora amigo de meu pai e de meu sogro, que estava indo para casa com duas certezas absolutas: o crime compensa e justiça não existe. É claro que, como tudo na vida, havia exceções (e ainda as há, graças a Deus), mas no geral o veredicto era aquele.

Sobre o proveito do crime, a prova encontra-se no dia-a-dia, em toda parte, a toda hora, sobretudo nos tribunais e nos noticiários da imprensa. Já a justiça, é, na verdade, uma ficção, buscada e muito poucas vezes encontrada. Nos julgamentos, a justiça não passa de um jogo de interesses. Em regra, predomina o interesse maior, melhor exposto e melhor sustentado. Na hipótese, rara, de não haver interesse em jogo, cumpra-se a lei. E aí é feita a justiça.

No STF, o notável areópago… Como, minha senhora, que bicho é esse?! De fato, pelo nome, mais parece um bicho, mas, segundo os compêndios do saber, areópago era um tribunal ou conselho, célebre pela honestidade e retidão no juízo, que funcionava a céu aberto no outeiro de Marte, antiga Atenas, na Grécia, desempenhando papel importante em política e demais assuntos. Pois bem, como eu dizia antes do necessário esclarecimento, na Suprema Corte, a coisa se complica, porque a vaidade e o exibicionismo mesclam-se à inveja e à vingança. Resultado: por mera firula procedimental e com fulcro em prova (!) criminosa, reviu-se matéria julgada e rejulgada, inclusive pelo próprio soberano tribunal, e pouco mais de meia dúzia de homens e mulheres togados jogaram no lixo o mais extraordinário trabalho de combate à corrupção já realizado no Brasil, aplaudido pelo mundo todo, garantindo a impunidade de bandidos sacramentados.

Quer dizer, quarenta anos depois, o Supremo Tribunal confirmou aquelas duas certezas por mim expressadas com absoluta sinceridade, ao eminente desembargador Luiz Renato Pedroso, que trocou a toga pelas letras. Conduzidos pelo abominável Gilmar Mendes e seu subserviente súdito Ricardo Lewandowski, os ínclitos ministros garantiram a compensação do crime e a ilusão da justiça.

Na minha longa caminhada no jornal O Estado do Paraná e aqui mesmo neste espaço de mestre Zé Beto, eu já havia enfrentado o tema, na série de escritos “E é essa gente que nos julga!…”. Numa das vezes, tive a oportunidade de expressar: “Se gente graduada, com comportamento ilibado e notável saber jurídico, os sábios que se dizem acima do bem e do mal, é capaz de tais matreirices e espertezas, que se pode esperar dos demais agentes públicos?”.

Aliás, confessei: “Foi para não precisar mais enfrentar profissionalmente as figuras citadas – luminares do Direito e da Justiça, prenhes de ralo saber e muita arrogância, contra as quais impossível se torna lutar – é que eu, como modesto advogado de província, afastei-me da militância advocatícia. Precisava preservar os meus derradeiros anos de vida e a saúde que ainda me resta”.

Mas não foi apenas por isso que bati em retirada. Alguns “colegas” – muitos, a bem da verdade – enojavam-me e causavam-me uma bruta vergonha da profissão, por revelarem-se não apenas defensores mas cúmplices dos patifes que defendiam. Só não aprofundei a análise para não ser punido pela OAB, na qual continuo inscrito.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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