Se se provar que Jair Bolsonaro, por omissão ou cálculo, foi responsável por cerca de 400 mil das quase 530 mil mortes até agora pela Covid no Brasil, ele entrará para um rol de que talvez se orgulhe: o dos genocidas oficialmente reconhecidos pelos tribunais internacionais. Fará companhia nos livros de história a, entre outros, o ugandense Idi Amin Dada, o iraquiano Saddam Hussein e o sudanês Omar al-Bashir. Já é possível, aliás, que estes, somados, tenham matado menos que Bolsonaro.
Mas a contabilidade de um genocídio comporta outros números a apurar. Há que saber, por exemplo, quantos infartos, tumores e tromboses levaram pessoas a óbito porque elas não tinham condições de sair para exames que talvez os prevenissem ou foi impossível atendê-las nos hospitais superlotados. Quantos tratamentos não foram interrompidos com resultados fatais? Quantos infelizes não agonizaram em casa, sozinhos, e só foram encontrados pelos vizinhos dias depois?
Como avaliar as doenças provocadas pelo estresse oriundo da pandemia? Ao ver Bolsonaro na TV cuspindo na nação, como conter sentimentos de medo, raiva ou tristeza, causadores de depressão, úlceras, inapetência, insônia? Quantos não aumentaram seu consumo doméstico de álcool por terem agora mais tempo e pretexto para beber e menos compromissos que os obrigassem a moderar? Quantos casamentos não terão acabado por súbita apatia sexual?
Sem playground, parquinho ou pracinha para brincar, quantas crianças não estão confinadas em casas ou apartamentos e perdendo oportunidades de socialização em períodos decisivos de sua vida? Por causa das aulas online, quantas não estão sendo submetidas ao suplício de uma câmera que talvez não se sintam à vontade para encarar?
Bolsonaro pode não estar em pessoa por trás do drama ou tragédia de cada brasileiro. Mas, de fato, está. Sua maldição paira sobre tudo isso —e sobre nós.