Cronos, o deus do tempo, adora as olimpíadas e outros eventos esportivos. O negócio dele é torcer pela natação e pelo atletismo. Quando não havia ainda os jogos na antiga Grécia, Cronos matava o tempo matando pessoas: fazia todo mundo envelhecer até morrerem, lazer que mantém até hoje.
Por medo de ser destronado, Cronos virou um deus canibal: adora comer seus filhos, e prefere almoçar ou jantar recém-nascidos, mais tenros e parecidos com filé mignon. Certo vez, ao se aborrecer com um dia que não passava nunca, criou o cronômetro, só pra se divertir com os décimos, os centésimos e os milésimos de segundo, as fatias mais finas do tempo. Cronos é obcecado por velocidade, é ele quem aperta os prazos no expediente, como um gerente exigente no escritório.
Inspirador da humanidade, deve-se a Cronos a ideia do acelerador nos carros, que só funcionavam parados antes dessa invenção. Por Cronos os atletas são capazes de tudo: braçadas e corridas cada vez mais velozes até a linha de chegada, numa infindável bateção de recordes. Cronos também se diverte muito com os amantes platônicos da aceleração: aqueles seres que admiram recordistas enquanto permanecem imóveis diante das telas.
Com inveja da sensação térmica, Cronos inventou a sensação temporal: às vezes parece que o tempo não anda, noutras parece que voa. Colecionador de calendários, Cronos guarda todos em gavetas da eternidade, e nos dá somente um por ano, como uma ração contemporânea.
Fora das pistas e das piscinas, Cronos fomenta a pressa entre os mortais, com overdoses diárias de cortisol, a substância que dá conta das distâncias entre um lugar e outro, uma tarefa e outra, um infarto e outro. Somos todos filhos de Cronos e esse nosso pai irá nos engolir a todos, mastigando existências e palitando os seus dentes com os ponteiros de relógios analógicos.
Durante as olimpíadas, nos distraímos com a rapidez esportiva, esquecidos da gula de Cronos. Depois do evento, no descanso dos cronômetros, voltaremos àquela prova desmedida: a correria cotidiana. É o nosso cronovírus.