A irresignação de um amigo

O leitor que acompanha estas mal traçadas linhas semanais sabe o quanto eu admiro e quero bem Mário Montanha Teixeira Filho, o “Da Montanha”. Tive a honra de ser seu colega no egrégio TJ/PR e – mais do que isso – fomos e ainda somos companheiros de lutas e de ideais, apesar da diferença de idades. Ele é uma das pessoas mais decentes que conheço, escreve bem e sabe o que diz, como tem sido possível comprovar neste mesmo blog.

Da Montanha tem apenas um defeito: ainda não conseguiu livrar-se totalmente do vírus lulista. Do PT já se afastou, embora mantenha os ideais do antigo partido que ajudou a difundir aqui no Paraná. No entanto, do velho “sapo barbudo” não conseguiu esquecer. Daí não perdoar o ex-juiz Sérgio Moro e o ex-procurador da Justiça Deltan Dallagnol, responsáveis pela condenação e prisão de Luiz Inácio – como se viu no texto escrito por Mário e aqui publicado na terça-feira.

Para ele, pouco importa que a dita Operação Lava-Jato tenha varrido do mapa e recolhido ao xadrez uma dúzia de bandidos, travestidos de empresários, que roubaram o Brasil a vida toda. Pouco importa que bilhões de reais tenham sido revertidos aos cofres públicos pela ação de Moro, Dallagnol e seus pares. Menos ainda importa que a condenação de Lula, baseada inclusive em prova documental/fotográfica, tenha sido confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça. O que importa é que, na opinião de Mário e de vários outros eternos/disfarçados lulistas, Luiz Inácio foi “recolhido aos costumes” por birra de um “ex-juiz que condenava ou absolvia conforme suas preferências ideológicas” (induzido pelo procurador Deltan, é claro). Inteligente e bem informado juridicamente, Da Montanha sabe que não foi bem assim. Mas tem o direito de dizê-lo, porque o ingresso de Moro e Dallagnol na política causa-lhe arrepios.

Pois, por incrível que possa parecer, ainda que por causas distintas, estou plenamente de acordo com ele. Se ainda restar algum juízo em Sérgio Moro – a participação no governo Bolsonaro consumiu-lhe boa parte –, ele deve tirar da cabeça esse negócio de presidência.

Pode ter sido um bom juiz – e foi –, que prestou bons serviços à Justiça e ao Brasil, mas não será um bom presidente, se eleito for. Não tem cacoete para o cargo, não se sentirá confortável no Palácio do Planalto e não será capaz de conviver com a politicalha dominante em Brasília.

Ademais, com raríssimas exceções, juiz pode saber julgar, mas não sabe administrar. Em quinze anos dirigindo o Departamento de Patrimônio do Tribunal de Justiça, a quem cabia zelar materialmente pelo inúmeros fóruns espalhados pelo Estado, tenho prova pessoal disso. Dou-lhes um exemplo simples: em visita a uma das comarcas próximas de Curitiba, recebi a reclamação do magistrado diretor do fórum – excelente pessoa, bom caráter e bom profissional. Disse-me que havia dois vidros quebrados na janela de seu gabinete e que, quando chovia, a chuva molhava os processos… Quer dizer, ele não era capaz de arredar os processos da janela ou colocar um pedaço de papelão no buraco da janela, nem de requerer ao Tribunal de Justiça a troca dos vidros quebrados, juntando ao pedido uma proposta comercial de alguma firma especializada da cidade. Em dois dias estaria atendido. Quem sabe até lá não chovesse.

Sérgio Moro, como eu disse aqui neste espaço, na ocasião, não deveria ter deixado a magistratura para embarcar na aventura bolsonarista. Foi um terrível erro de avaliação, o que, para um juiz, é quase sempre fatal. E ele não demoraria a descobrir que, no seu caso, fora.

Mas isso não o transforma, de repente, em um bandido, em um pária, como quer fazer crer – sabe-se bem porque – aquela banda de advogados autodenominada “Prerrogativas”. Os motivos de Da Montanha são diferentes, mas, de igual modo, injustos e exagerados, com a devida vênia.

Meu querido Da Montanha, essas manifestações de ódio não combinam com você. Esqueça de Moro, de Deltan e, sobretudo, de Lula. Ajuste a sua mira no desvairado que hoje nos desgoverna, e apareça para um cafezinho na sexta-feira, no estabelecimento do Vicente, no Shopping Pátio Batel.

P.S. – Não posso deixar de expressar, por fim, a minha profunda tristeza, como atleticano e amante do futebol, pelo falecimento, no sábado, do nosso craque-maior, Barcímio Sicupira Jr., o ídolo da camisa n° 8 do esquadrão rubro-negro. Como fazia em campo, driblou como pôde a maldita moléstia causada pelos anos de fumo. Conseguiu até aos 77. Deixa muita saudade e uma vida de sucesso nos gramados e nos microfones do rádio e frente às câmeras de TV, como comentarista da bola e extraordinária figura humana. Além do que, para quem não sabe, era conterrâneo lapeano de nascimento. A direção atheticana deve-lhe uma estátua de bronze defronte ao Estádio Joaquim Américo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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