No sábado, será Natal outra vez. Dia de fé e esperança, que deveria ser comemorado em silêncio, interrompido apenas pelo repicar dos sinos e pela magia do canto gregoriano. Uma criança estará nascendo, como parte de uma tradição de mais de dois mil anos. Se foi apenas um símbolo ou um mito, criado pelos teólogos, pouco importa. Restou-nos uma mensagem. Quantos ainda se lembrarão dela? Respeito, fraternidade, fé, amizade, amor e solidariedade, desgraçadamente, são coisas cada vez mais raras num mundo marcado pela ganância, desamor e competitividade.
Por isso, estimado leitor, quero contar-lhe uma historinha, como também já está se tornando tradição nesta época do ano. Mas não precisa se assustar. Não será sobre o Menino Jesus, embora ele deva estar presente nela. Foi-me enviada, algum tempo atrás, por Márcio Nóbrega Pereira, um amigo de todas as horas. E eu faço questão de dividi-la com o Grupo dos Quinze – universo de leitores desta coluna -, convidando-os a meditar sobre o tema. Àqueles que a acharem piegas, responderei: E aí? Um pouco de pieguice, neste mundo tão carente de sentimento e humanidade, só fará bem.
O dono da loja acabara de botar o anúncio na vitrine -“Cachorrinhos à venda” -, quando o menininho apareceu na porta e foi logo perguntando:
— Qual o preço dos cachorrinhos?
— Entre R$ 30 e R$ 50 – respondeu o comerciante.
O garoto colocou a mão no bolso e tirou umas moedas:
— Só tenho R$ 2,30. Mas posso vê-los?
O homem sorriu e assobiou. De trás da loja surgiu uma cachorra, seguida de cinco filhotes. Um deles mancava e foi ficando para trás.
O menininho imediatamente apontou para ele.
— O que aconteceu com este cachorrinho? – indagou.
O dono da loja explicou que, quando o pequeno cão nasceu, o veterinário disse-lhe que ele tinha uma perna defeituosa e que mancaria o resto da vida.
O garotinho emocionou-se e exclamou:
— Este é o cachorrinho que eu quero comprar!
Então, o homem respondeu-lhe:
— Não, você não vai comprar este cachorro. Se você realmente o quer, eu lhe dou ele de presente.
O menino não gostou da oferta. Muito sério, encarou o comerciante e disse-lhe:
— Eu não quero que o senhor me dê de presente. Ele vale tanto quanto os outros, e eu pagarei o preço. Vou lhe dar agora os R$ 2,30 que tenho e a cada mês lhe darei R$ 0,50, até que tenha feito o pagamento total.
O homem ainda insistiu:
— Você quer mesmo comprar este cachorrinho, filho? Veja bem: ele nem anda direito, nunca será capaz de correr, saltar e brincar como os outros cachorrinhos…
Aí o menininho agachou-se e levantou a perna da calça para mostrar a sua perna esquerda, cruelmente danificada, quase inutilizada, contornada por um grande aparato de metal. Em seguida, olhou novamente para o lojista e disse a ele:
— Bem, eu também não posso correr muito bem, e o cachorrinho vai precisar de alguém que o entenda.
O bom homem sentiu um nó na garganta e muita vergonha. Mas logo abriu um largo sorriso e respondeu ao menininho:
— Espero sinceramente que cada um desses outros cachorrinhos tenha um dono como você.
Se estivesse presente, o meu querido Rubem Alves arremataria: “A experiência da amizade tem as suas raízes fora do tempo, na eternidade”. E, irmanados, desejaríamos a todos um feliz Natal.