Cadê os Mário Covas?

2022 chegou, finalmente. Neste ano, comemora-se o 200º aniversário da Independência do Brasil, ainda que pouca gente ainda se lembre do controvertido grito de D. Pedro às margens do riacho Ipiranga. Mas é também ano de eleição presidencial.

Olho a lista de pré-candidatos e dá-me uma vontade imensa de chorar. O lado bom da coisa é que poderemos, finalmente, livrar-nos do psicopata hoje aboletado no Palácio do Planalto – “aquele cujo nome não merece ser escrito”, como disse, coberto de razão, o nosso Paulo Motta.

A verdade cruel é que os atuais postulantes ao reino de Brasília, incluindo “aquele”, são todos ruins de doer, com passado que não os recomenda e futuro que assusta. Lula? Alckmin? Dória? Ciro?

Nesta hora, sinto uma enorme saudade de homens como Mário Covas e Ulysses Guimarães. Ah, o “espanhol” Mário Covas!… O jovem e desinformado leitor não sabe de quem se trata? Pena, porque foi um dos maiores homens públicos que este país já teve e não faz tanto tempo que nos deixou.

Numa época, como continua sendo até hoje, em que partido político era abrigo de bandido, “gente interesseira, especializada em aperfeiçoar mecanismos para roubar o dinheiro público e enriquecer” isto é, “um ajuntamento de pessoas de moral duvidosa e comportamento suspeito, especialistas em criar leis que favoreçam a permanência delas mesmas e de seus familiares no poder e nas regalias”, como bem definiu a combativa jornalista Marilene Felinto, Mário Covas era um oásis de decência.

Claro que não era nenhum santo. Mas era ético, trabalhador, coerente, honrado, sincero e corajoso. E no indecoroso universo político nacional, posicionava-se alguns milhares de anos-luz à frente de seus pares. Quer dizer, fazia mal para a saúde da maior parte dos políticos deste País, incluindo aí as figuras estreladas de seu próprio partido, o PSDB.

Como governador, assumiu a massa falida do Estado de São Paulo, demolido e consumido, anos a fio, por orestes, fleurys e mallufs, e conseguiu recuperá-lo em apenas dois anos, devolvendo, sobretudo, a dignidade perdida aos paulistas.

Em silêncio e sem a costumeira divulgação através de onerosas peças publicitárias pela imprensa, Covas saneou as finanças públicas estaduais, corrigiu o déficit público e promoveu a maior distribuição de terras já havida no Brasil, lá no Pontal do Paranapanema. Mais que tudo isso, porém, Mário Covas provou com o seu exemplo que ainda havia esperança e que é possível gerir a coisa pública com compostura, honestidade e limpeza.

Mário sempre esteve, também, na linha de frente da luta pela liberdade democrática. Como líder do antigo MDB, apoiou o discurso do colega Márcio Moreira Alves, na penumbra de 1968, e foi um dos últimos deputados a deixar as dependências do Congresso Nacional quando este acabou sitiado pela força militar. Isso lhe custou o mandato e dez anos de direitos políticos suspensos. Foi um dos líderes do movimento Diretas-Já! e teve participação decisiva na vitória de Tancredo no colégio eleitoral de 1985, na constituinte de 1988 e na vitória de FHC, em 1994.

Em 1989, Mário Covas foi candidato à presidência da República e contou com o meu voto. Não foi eleito porque era bom demais. Eu soube que ele quase enlouqueceu o pessoal que o assessorava na campanha. A equipe, que o precedia nas andanças pelo País, chegava a uma determinada localidade, traçava a linha de ação e amarrava os necessários acertos políticos. Quando Covas chegava, desfazia tudo. Não admitia acertos. De nenhum tipo. Não poderia mesmo ser eleito.

Havia quem não gostasse dele. Era turrão, “munheca de imbuia”, às vezes mal-humorado e desbocado, capaz, até, de enfrentar, em plena praça pública, os seus próprios eleitores; tinha lá as manias dele, não cuidava de sorrir para as câmaras ou frequentar acontecimentos sociais que rendiam imagens na TV e fotos na imprensa. Dizia-se apenas um administrador e fazia questão de cumprir as suas obrigações. Com uma obstinação quase irritante.

Cumpriu-as até o fim. Foi um bravo guerreiro e merecia descanso. Embora tenha ido contrariado, com toda certeza. E deixou muita saudade.

Onde andam os Mários Covas? Cadê os Ulysses, os Pedros Simon? E até mesmo os Itamares, os Tancredos, os Montoros, os Brizolas, os Aurelianos, os Teotônios, os Richas (pai)? Só nos restou, neste 2022 sem esperança, o rebotalho do rebotalho, os Collors, os Renans, os Lulas, as Gleisis, os Liras, os Requiões, os Ratinhos, os Grecas e, claro, “aquele cujo nome não merece ser escrito”… Os decentes e competentes – que ainda existem, claro – querem distância do poder.

Pobre Brasil, infelizes brasileiros! Empresta-me o seu lenço, leitor.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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