Se eu fosse um homem branco heterossexual, meu Deus
Imagine um cara gato de 42 anos que se exercita, é proprietário de imóveis, te faz rir assumindo fraquezas e neuroses, cria uma belíssima filha recorrendo a Winnicott e a sua infinita capacidade de amar, é amigo de todas as pessoas com quem já se envolveu e ainda sabe (e entende de fato) umas 15 frases de Lacan que lança em jantares que duram horas. Esse homem seria o rei do centro expandido. O solteiro mais cobiçado da cidade. Mas e se a gente pensar que essa mesma pessoinha encantada é uma mulher? Ah, ela fala muito! Demanda demais! Tem um número excessivo de amigos homens!
Imagine um senhor que moldou e esculpiu sua expertise sensual e sexual em muitos encontros. Ele beija com intensidade e entrega. Ele diz o que quer e, quando consegue, não corre. Bem, esse senhor, caso seja uma senhora, acaba de se transformar em alguém assustador. Complicado, intenso. Muito fácil ou muito masculino.
Uma vez um sujeito me perguntou, debochando: “Você é aquela menina que escreveu o livro ‘da louca’?”. O livro vendeu cerca de 50 mil cópias, o que reformou à vista meu primeiro apartamento. Eu negociei os direitos para o cinema e fiz a primeira versão do roteiro, o que me possibilitou comprar um carro para mim, outro para a minha mãe e outro para meu pai. O filme é sobre a geração de angustiados, medicados e ansiosos que somos. E sobre como parceiros, familiares e chefes “normais” são os verdadeiros malucos que nos fazem adoecer. Imagine o respeito que um homem teria se tivesse escrito essa obra! Acho que poderíamos até chamar de obra. Já posso vê-la traduzida e vendida internacionalmente. E imagine a quantidade de mulheres interessantes que iam querem amar esse ser de luz corajoso, bem-sucedido, extravagante e criativo? Não apenas printar uma conversa para se exibir para os amigos. Não apenas tirar onda chegando na festa com o autor conhecidinho. Não apenas domar para colocar no currículo. Um homem que se sustenta com arte é o pica das galáxias. Uma mulher que se sustenta com arte deve ser uma pirada ou uma piranha (lê-se: não posso estar com alguém que me causa tanta inveja).
Em outra ocasião um fulano me perguntou: “Você é a ‘mina’ daquele monte de ‘podcast maluco’?”. Indagou acariciando o ombro da esposa “3S” –sonsa, sustentada e sem-sal– que trabalha, só de vez em quando, dando dicas de como decorar uma boa mesa de jantar. Não, caríssimo brocha-executivinho-de-merda-direitista-lixo-travestido-de-progressista-desconstruído, eu não sou “a mina” dos podcasts. Eu sou a mulher que criou e apresenta três dos mais ouvidos programas de podcast do país. E ganho em dólar por eles. E emprego uma galera foda. E os melhores psicanalistas da cidade me pedem para participar. E as mulheres mais estupendas me escrevem pedindo para serem entrevistadas. Se eu fosse um homem branco heterossexual, meu Deus, eu teria que lidar com opções extraordinárias de parceiras geniais, cultas e sedentas por fluídos e bom papo, querendo acariciar minhas costas. Mas, como mulher, eu ainda sou chamada de “mina que se expõe demais”, de “menina que dá trabalho”. É impressionante como sou uma jovenzinha para referências profissionais e uma senhora se conto que minha teta foi chupada um ano e meio pela minha filha.
Jamais esqueço da minha fase avassaladora de corações: pobrinha, deslumbrada, forçando a letra “r” nas palavras. Semivirgem, eu achava que dar beijinho insosso no pescoço significava ser bom de cama. Lembro o dia em que fiquei sentadinha de frente para uma sala de reuniões com três homens poderosos digladiando por mim. Todos queriam a estagiária. Um deles fechou o punho ameaçando um soco. O mais velho disse que ia parar pelo bem da empresa. Eu não era um centésimo do que sou agora. Hoje em dia tipos assim me cumprimentam de cabeça baixa. Quando mais ousados, é a outra cabecinha deles que acaba cabisbaixa no meio do processo.
Ah, mas pra que você quer um homem? Você perguntaria a um homem por que ele quer ser amado?