Ter sido feita de idiota me corroeu muito mais do que o fim do sonho do amor romântico
Piranha! Piranha! Piranha! Se eu tivesse gritado “piranha” bem alto na cara de um ex quando constatei que o chifre que eu levava não era fruto da minha “imaginação” ou da minha “loucura”, talvez tivesse economizado alguns anos de terapia.
O que fiz quando descobri que meu projeto de marido namorava pelado com uma colega de trabalho? Fiz a fina. Banquei a madura e analisada, quando era o momento de ser bem louca, do jeitinho que ele me descrevia quando eu o confrontava com os sinais da fuleiragem.
Não acompanho a novela “Um Lugar ao Sol”, mas tenho lido bastante sobre a personagem de Andrea Beltrão, de quem sou fã desde a época de Armação Ilimitada. Na cena em que Rebeca descobre o caso do seu marido, ela grita “aquela piranha! Piranha!”, com fôlego de quem jamais teve Covid.
Aqui dentro, no meu coração e diretamente do meu fígado, gritei piranha piranha piranha. Que delícia não ser civilizada quando o sentimento é de humilhação, de desprezo e de medo de pegar DST. Por que não fiz isso?
Há mais de 10 anos, numa outra administração, meu ex, com quem eu dividia a cama, as contas e o H1N1, resolveu viver de poliamor sem me avisar. Depois de passar meses com uma nuvem carregada da infidelidade regando a plantação de chifres que crescia em minha cabeça, confirmei a trairagem.
Meia dúzia de gritos teria evitado uma gastrite que, por pouco, não virou uma anorexia “amorosa”, algo que eu mesma diagnostiquei. Primeiro, não comia, de tristeza, depois, de raiva. Tivesse eu gritado piranha, vagabunda, safado, pilantra, não teria me sentido tão coitada e tão otária.
Ter sido feita de idiota me corroeu muito mais do que o fim do sonho do amor romântico. O problema não era voltar ao mercado, que nunca sofreu de escassez. A dor vinha do orgulho dilacerado. E eu me achei o máximo por ter sido muito equilibrada ao resolver tudo sem elevar o tom de voz, sem fazer barraco, sem contar para a família, sem destratar a sirigaita. A piranha!
O compromisso do meliante era comigo. A piranha não fazia parte do acordo que envolvia planos de casamento, de viagens, de um sofá dividido em 12 vezes. O corno veio já na segunda parcela.
O mundo dá tapinhas nas costas dos homens que traem, mas as mulheres envolvidas nessas histórias sempre são crucificadas. As putas, as vadias, as destruidoras de lares. Eu não queria cair nessa armadilha de colocar num terceiro a culpa do nosso fracasso.
O que eu não sabia é que o inevitável era, então, me sentir culpada. Ela é mais bonita? Mais inteligente? Mais divertida? Mais tesuda? Como se o problema fosse eu. Quase engoli o clichê bisonho de que a vida é assim e os homens não conseguem controlar os pintos dentro das calças.
Trair não faz parte da essência masculina, assim como deixar a tampa da privada levantada também não faz. Tudo é uma questão de escolha. Poliamor, relação aberta, ménage, suruba. Cada um, cada um. Eu estava infelizinha numa relação monogâmica chatinha, mas era o combinado, cazzo.
Deveria ter entendido na época que não tinha culpa, que ele foi uma babaca e ela, apesar de não ter compromisso comigo, foi uma vaca. Teria economizado na terapia, no tarólogo, nas sessões espíritas. E nas massagens com pedra quente que prometiam extravasar toda a raiva e autocompaixão que eu sentia.
Rebeca/Andréa Beltrão me libertou. Hoje, trocaria a dignidade pela paz de espírito imediata. Mesmo que tivesse gritado para que apenas eu mesma ouvisse. Piranha! Piranha! Vagabundo! Canalha! Pau pequeno! Corno! Pronto, passou.