Há mais de dois anos uma questão vem me atormentando. Mas não tive coragem, até aqui, de expô-la publicamente. O jornalista Hélio Schwartsman, da Folha de S. Paulo, tomou a iniciativa e fê-lo por mim.
Aponta ele que uma pandemia viral gera terror no mundo, já matou mais de 6 milhões de pessoas e não para de renovar-se, produzindo novas cepas e novas vítimas. E registra o surpreendente silêncio atual dos criacionistas, que, de repente, pararam de negar a evolução darwiniana.
E Schwartsman explica a razão desse fato: simplesmente porque se continuassem a fazê-lo, estariam jogando “a responsabilidade por essa carnificina diretamente no colo de Deus”.
De acordo com os criacionistas, o Universo, incluindo o planeta Terra e todas as espécies nele existentes, abrangendo os vírus, foi criado por Deus. Aí, o jornalista vai ao pomo da questão: “Se Deus é o responsável direto pelo surgimento desse vírus e das variantes que nos causam tanto sofrimento, como sustentar que Ele é um ser benevolente?”
Destaca que, ainda que o mundo e seus habitantes tenham sido projetados por Demiurgo, tido como ser intermediário de Deus nessa criação, e que, segundo Platão, é responsável por copiar ideias (perfeitas) na matéria (imperfeita), a responsabilidade final seria de Deus.
Então, Hélio Schwartsman afirma que “uma forma de tentar livrar a cara de Deus é colocá-lo num lugar tão alto na hierarquia que Ele já não responda pelos erros dos baixos escalões” E argumenta: “O Criador concebeu um mundo bem bacaninha e não é sua culpa se nós o usamos mal, tendo desenvolvido um padrão de ocupação que favorece o surgimento e a difusão de doenças, entre outros flagelos”. Seria o dito livre-arbítrio, com suas contradições.
No entanto, se assim o for, o mesmo colunista observa que Deus se torna indistinguível da natureza e “deixa de ser um Deus pessoal para o qual vale a pena rezar e fazer preces”.
Está vendo o leitor por que eu me escusava de tratar do assunto? O terreno é escorregadiço, sinuoso, capaz de leva-lo aonde você não quer ir e fazê-lo dizer o que não quer ou não deve.
Sou uma pessoa crente em Deus. Não apenas por educação e tradição familiar, mas por uma convicção pessoal, devidamente provada e comprovada pela vida vivida. Immanuel Kant sustentava que crer ou não crer na existência de Deus seria algo a ser deixado por conta da Fé de cada um de nós. Eu acredito, por motivo de foro íntimo. Acho que, sem Ele, o Universo não teria razão de ser. E eu não seria quem sou nem teria chegado onde cheguei. Para isso, não precisei nem preciso frequentar templos e igrejas. Não é lá que Deus está. Está aqui, dentro de nós, queiramos ou não.
Pessoalmente, acredito que, como nas guerras, conflitos e tragédias, Deus está presente na atual pandemia. Ele está nos hospitais, nos médicos, nas enfermeiras e nos atendentes; nas casas das pessoas contaminadas, nas pessoas de luto e, sobretudo, nas vacinas que estão salvando milhares de vidas. Faz o que pode. Ou o que precisa ser feito.
A razão dessa maldita pandemia ainda não sabemos qual é. Mas deve existir, já que nada acontece por acaso. E se o caos não é maior é porque uma Força Superior zela por nós. Mais: quem sabe do atual flagelo surja uma nova humanidade? O momento é propício.