Cultura híbrida: cultura viva

O problema da apropriação cultural é justamente o conceito

Semana passada surgiu mais uma polêmica nas redes sociais: usar o boné do MST, mas não fazer parte do movimento, é apropriação cultural, logo, esvazia o sentido da luta do MST. A apropriação cultural seria um problema porque não haveria consciência política quando um grupo dominante usa símbolos de um grupo dominado: o uso é desinteressado, apenas estético, mera moda.

Ora, mas a política não é o centro gravitacional da vida da maioria das pessoas. Ainda bem. Caso contrário, seria uma sociedade paranoica. Imagine pensar em navios negreiros sempre que comemos feijoada ou ouvimos Cartola. Exigir que a política perpasse todas as práticas do dia a dia é polícia do pensamento, moralização punitiva do cotidiano, ou seja, um puritanismo laico.

Outro problema é ignorar como a difusão proporcionada pela indústria cultural dá visibilidade a produtos simbólicos de grupos sociais marginalizados e, assim, pode ser usada para valorizá-los. Do jazz ao hip hop, do samba ao funk carioca, o que vimos ao longo da história foi o aumento do consumo desses estilos musicais seguir pari passu à diminuição do preconceito. Claro que ainda há preconceito, mas é um fato histórico que o samba era mal visto nos anos 30 e, hoje, é enaltecido.

Por fim, alguns fundamentos dessa noção de apropriação cultural vêm de teorias europeias ultrapassadas (como as da Escola de Frankfurt), de uma formação cultural bastante diferente da nossa, na qual as delimitações entre erudito e popular, nacional e estrangeiro, são bem mais rígidas. Seria melhor olharmos para novos aportes teóricos de pesquisadores latino-americanos.

Ao analisar diversos casos de hibridismos culturais na América Latina, o antropólogo argentino Néstor García Canclini conclui: “O artesanato migra do campo para a cidade; os filmes e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim, as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Lygia Maria - Folha de Sao Paulo. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.