Nos segundos em que estamos dentro elevador, ficamos em silêncio, e experimento o momento mais sereno do meu dia
Não sei se já tive um relacionamento tão saudável quanto o que tenho com a vizinha da porta ao lado. Uma relação construída ao longo de anos pela repetição de um ritual só nosso. Seguro a porta do elevador, ela agradece, ou vice-versa. Nossos diálogos consistem em um pingue-pongue de perguntas retóricas. Geralmente, digo “tudo bom?”, no que ela responde, sem responder, com outro “tudo bom?”.
Quando você encontra alguém com quem se sente à vontade para ficar em silêncio, sabe que aquela relação é pra valer. Logo entendi que nossa conexão era profunda demais para conversinhas de elevador. Não precisamos reclamar do tempo que não firma, do aspirante a baterista que mora no andar de baixo, dos erros ortográficos nos informes do síndico. Quando estamos só nós duas, dentro daquele cubículo, as palavras perdem o sentido.
São 54 segundos até o térreo. Nesse quase minuto experimento o momento mais sereno do meu dia. Esqueço o mundo lá fora e os meus problemas. Meu único propósito é evitar contato visual com minha vizinha, enquanto releio a placa com as normas de segurança como se fosse sempre a primeira vez.
A estratégia dela para não lidar com minha presença é revirar sua bolsa para ver se não está esquecendo nada. Vai tirando tudo de dentro, e geralmente são outras bolsinhas, que ela enfia dentro de outras bolsinhas. A bolsa-matrioska da minha vizinha é uma alegoria perfeita para nossa relação: um loop eterno que sempre volta para o mesmo lugar. Até ontem de manhã.
Entramos no elevador e eu disse: “Tudo bom?”. Foi quando ela rasgou nosso roteiro em mil pedaços e decidiu improvisar. “Não”, respondeu.
O ar ficou tão denso que achei que o elevador não fosse suportar o peso. Olhei nos olhos dela como quem implora, por favor, não faça isso, você está destruindo tudo que a gente construiu, o que a gente tem é tão raro, a gente respeita o espaço uma da outra, essa é a relação que eu gostaria de ter com meus amigos, meus amantes, meus colegas de trabalho, meus familiares, e você está jogando tudo fora.
Mas tudo que saiu da minha boca foi um “poxa, complicado”. A partir daí, o silêncio se tornou nosso carrasco. Mais agradável descer 19 andares de escada. Nossa relação chegou ao fim, mas foi eterna enquanto durou.