Talvez toda a misoginia, o machismo e o sexismo façam parte do programa de governo. E, pelo menos nesse quesito, Bolsonaro apresente número expressivo de realizações. Desde o início do governo, as denúncias de assédio sexual na administração pública têm dado saltos
Não faz muito tempo. Lá pelas tantas, durante uma dessas transmissões raivosas que costuma fazer semanalmente pela internet, Bolsonaro virou-se para o tarado fiel escudeiro, então presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e perguntou ironicamente: “Ô, Pedro, me acusam de negacionista, racista, misógino… Misógino não gosta de mulher. Você é misógino também, Pedro?…” Pedro reagiu com uma risada sarcástica. Desce o pano.
A conversa revela que os dois têm muita coisa em comum. Não são apenas misóginos. Mas também machistas e sexistas. Têm desprezo, desrespeito, aversão, repulsa e ódio às mulheres. Depreciam o sexo oposto por se considerarem superiores, viris, potentes e corajosos e por acharem que as mulheres devem ser obedientes e submissas. Comportamento doentio que pode revelar, inclusive, problemas psicológicos com a própria sexualidade.
Pedro ganhou as manchetes durante a semana e perdeu o cargo na Caixa Econômica Federal – um vice-presidente também caiu pelo mesmo motivo. As denúncias de assédio sexual chegaram ao Ministério Público Federal em relatos corajosos de várias funcionárias do banco. Apalpava aqui, apalpava ali, pedia abraços apertados, chamava para a sauna, para a piscina, para o quarto vestindo apenas uma cueca samba-canção, escolhia a dedo quem deveria viajar com ele e anunciava festas de arromba no estilo “ninguém é de ninguém”. E outros diretores acobertavam.
(Assédio sexual é crime; por definição, consiste em constranger alguém para tentar conseguir um favorecimento sexual usando a condição de superior hierárquico. Pode ser um contato físico, insidioso, convites insistentes ou gestos indecorosos que deixem alguém desconfortável e sem saber o que fazer)
Deu no que deu. E não era novidade. As funcionárias queixavam-se, chegavam a se esconder no banheiro. O Planalto sabia, a ouvidoria do banco sabia, e no currículo dele já constavam denúncias similares da época em que trabalhava no Santander e no BTG. Apesar das evidências, das denúncias e dos testemunhos, Pedro negou as acusações e, inconformado por ter sido “abandonado”, prometeu reagir ao melhor estilo bolsonarista. Atirando. Vamos ver qual será a munição.
O filho 02 do presidente apelou. Pediu ao pai que mantivesse Pedro no governo. O pai, pressionado por todos os lados e pelas pesquisas eleitorais, não teve alternativa. Fez o que não queria. Pediu que o amigo entregasse uma carta de demissão. Mas foi estranha a demora com que reagiu. Mais estranho ainda foi o silêncio a que Bolsonaro se impôs sobre o problema que traz um evidente desgaste para a campanha à reeleição.
O silêncio de Bolsonaro foi sintomático. São recorrentes as declarações misóginas, machistas e sexistas que o colocam no mesmo nível do fiel escudeiro indecente. Talvez tenha algum trauma dos tempos da caserna. No mesmo dia das denúncias contra Pedro Guimarães, por exemplo, julgamento em segunda instância o condenou a pagar uma indenização à jornalista Patrícia Campos Mello por ter feito insinuações de cunho sexista para ofender a repórter. Em 2014, também teve que pagar indenização e pedir desculpas publicamente à deputada Maria do Rosário por ofendê-la dizendo que não a estupraria porque “não merece, é muito ruim, muito feia, não faz meu gênero”.
Em 2018, ainda deputado, ao ser perguntado por uma repórter se usava o auxílio moradia da Câmara para pagar apartamento próprio, respondeu exaltado: “Como eu tava solteiro, esse dinheiro do auxílio moradia eu usava para comer gente”. Já presidente, fez apologia ao turismo sexual: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”. E cansou de ser grosseiro com repórteres mulheres. Quatro exemplos de explosão machista explícita: “Cale a boca!”, “Você deve voltar ao ensino médio, ao jardim de infância e aí nascer de novo”, “Pare de fazer perguntas idiotas!” e “Quadrúpede!”
Bolsonaro deixa constrangida a própria mulher. Numa solenidade no Palácio, abriu assim seu discurso: “Bom dia a todos, menos para a primeira-dama, porque eu já dei um bom dia muito especial para ela hoje. Acredite se quiser”. Numa outra cerimônia, ironizou o apoiador que o chamou de mito. “Mito do leite condensado!”, debochou. E, olhando para Michelle, perguntou: “Deu barriga o leite condensado?” Nem a única filha escapa: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. Doente que é, já cunhou uma medalha com sua foto e os dizeres “Imorrível”, “Imbrochável”, “Incomível”. Faltou “Imbecil”.
Talvez toda a misoginia, o machismo e o sexismo façam parte do programa de governo. E, pelo menos nesse quesito, Bolsonaro apresente número expressivo de realizações. Desde o início do governo, as denúncias de assédio sexual na administração pública têm dado saltos. Só este ano, de 1º de janeiro a 1º de julho, houve um aumento de 129% em relação ao mesmo período do ano passado. Já são 218 assediadores denunciados, mais de um por dia. E entre as pastas que lideram esse triste ranking está, veja só, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiado pela folclórica Damares. Se contarmos as denúncias de assédio moral, o número de acusados neste primeiro semestre sobre para 1.371.
Quem disse que o governo Bolsonaro não tem o que mostrar?
Em tempo: o Senado já aprovou, a Câmara certamente fará o mesmo. Só agora Executivo e Legislativo descobriram que o brasileiro precisa de ajuda. Vem aí a PEC bomba das bondades. Pobre Brasil golpeado por interesses eleitoreiros tão sórdidos.