O governo federal vai inovar e colocar 28 tratores desfilando ao lado de tanques e blindados na celebração do 7 de Setembro, em Brasília, como informa a Folha de S.Paulo nesta quinta (25). Não é uma homenagem ao agronegócio, mas uma prova de que o Bicentenário da Independência foi sequestrado pelas necessidades eleitorais do presidente.
Tão inegável quanto a importância da parcela do agronegócio que segue as leis para a economia nacional é a instrumentalização que Jair Bolsonaro faz do setor. Com base em seus discursos e ações, a impressão no exterior é de que a agropecuária brasileira odeia o meio ambiente e os direitos de indígenas. O que é péssimo para os negócios.
Mas já que o presidente vai homenagear no desfile um dos setores que o apoiam, deveria fazer o mesmo com outros – sem vergonha de que esses outros joguem fora das quatro linhas da Constituição. Com a expertise carnavalesca brasileira, seria um sucesso mundial. Ia dar destaque até no New York Times.
O 7 de Setembro deveria trazer um bloco dos garimpeiros ilegais. Escavadeiras e grandes dragas sobre rodas despejariam lama na Esplanada dos Ministérios, enquanto um grupo viria atrás, coberto de pó dourado e armado até os dentes. Na caçamba de uma picape, crianças indígenas com sarampo, tuberculose e outras doenças transmitidas pelo contato com o garimpo, acenariam ao público.
Logo na sequência, para não perder a coerência, viria a ala dos madeireiros ilegais e dos grileiros de terra. Carretas com toras gigantes de angelim vermelho abririam essa parte do cortejo, seguidas por homens e mulheres carregando tambores de gasolina – usados para iniciar as queimadas que servem para limpar o solo e bombar o aquecimento global. Depois, viriam bois, muitos bois.
A fim de ter uma experiência completa, o ideal seria que uma máquina lançasse fumaça preta na multidão. Na falta dela, a função poderia ficar com um daqueles blindados fumacentos da Marinha que desfilaram para Bolsonaro em 10 de agosto do ano passado.
No ar como na terra. Para além da Esquadrilha da Fumaça (adoro), e de rasantes com jatos da Força Aérea Brasileira, o governo federal deveria convidar pequenos monomotores que decolam diariamente de mais de 1,2 mil pistas de pouso ilegais na Amazônia. São eles que abastecem o crime ambiental e evadem riquezas para fora do país sob a leniência do poder público.
Para que parar no campo? É importante seus seguidores nas cidades também estarem devidamente representados nesse momento cívico-eleitoral.
Um bloco dos milicianos do Rio de Janeiro teria carros de luxo com placas cobertas com adesivo, carros alegóricos mostrando instaladores de GatoNet, representantes de financeiras que agem como agiotas e motoristas de vans. Seriam seguidos de pessoas portando rifles vindos do tráfico internacional de armas, que carregariam estandartes com o rosto de Marielle Franco e outras vítimas.
E já que eles estarão mesmo assistindo ao evento por que não dar a eles um espaço no desfile?
Sim, os autointituladas homens e mulheres de bem, carregando suas faixas pedindo que as Forças Armadas baixem “intervenção militar” e que o presidente dê um autogolpe de Estado. Mas também exigindo a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral e de jornalistas e, claro, atacando as urnas eletrônicas e o sistema brasileiro de votação.
A CBF poderia patrocinar essa ala. Ou grupos de WhatsApp de empresários aliados do presidente poderiam patrocinar todo o desfile.
Tudo isso seria um suco tão denso do Brasil de Bolsonaro que, não duvido, o coração de Dom Pedro 1º, tirado de seu descanso em Portugal para saciar as necessidades eleitorais do presidente, voltaria a bater. Pedindo para voltar para casa, claro.