O resultado das eleições do domingo remete-me ao texto do sociólogo Ivann Lago, “O Jair que há em nós”, escrito em fevereiro de 2020 e reproduzido no blog do Zé Beto dias atrás.
Para Ivann, “Bolsonaro é uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política que caracteriza o típico cidadão do nosso país”.
Ao citar “o brasileiro médio”, Lago refere-se à sua versão mais obscura e mais realista, de acordo as pesquisas dele e a sua experiência.
Argumenta:
“No ‘mundo real’ o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência… em quase tudo). É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto.” Tal qual o capitão imbrochável.
Apesar dos avanços civilizatórios vividos pelo mundo, com políticas públicas de inclusão, de combate ao racismo e ao machismo e de criminalização do preconceito, segundo o citado sociólogo, a descriminação, o racismo, o machismo e o preconceito sobrevivem no imaginário da população brasileira, no cotidiano da vida privada, nas relações afetivas, nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nas piadas diárias e nos comentários entre amigos.
Reprimido por anos, o brasileiro médio, desgraçadamente – escreve Ivann Lago –, sentiu-se representado por Bolsonaro, um candidato/presidente que ofende as mulheres, os homossexuais, os índios, os nordestinos, o Judiciário, a imprensa, “através de um palavreado vulgar, frases mal formuladas, palavrões e ofensas”.
E vai além, destacando que o dito brasileiro médio “se sente importante quando seu ‘mito’ enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais, pois eles representam uma forma de ver o mundo que sua própria ignorância não permite compreender.”
Esse “brasileiro médio” – na conclusão de Ivann Lago – “não entende patavinas do sistema democrático e de como ele funciona, da independência e autonomia entre os poderes, da necessidade de isonomia do judiciário, da importância dos partidos políticos e do debate de ideias e projetos que é responsabilidade do Congresso Nacional. É essa ignorância política que lhe faz ter orgasmos quando o Presidente incentiva ataques ao Parlamento e ao STF, instâncias vistas pelo ‘cidadão comum’ como lentas, burocráticas, corrompidas e desnecessárias. Destruí-las, portanto, em sua visão, não é ameaçar todo o sistema democrático, mas condição necessária para fazê-lo funcionar.”
Assim pensa o “brasileiro médio” – muito bem representado pelos eleitores paranaenses e catarinenses – e aí está porque elegeu o Messias em 2018 e deu-lhe uma poderosa votação no 1º turno de 2022. Daí a razão de serem eleitos sabujos bolsonaristas, como Pazuello, Salles, Damares, Tereza Cristina, Marcos Pontes, Mourão, Zema e Cláudio Castro.
“Por isso – arremata o sociólogo – “não basta perguntar como é possível que um Presidente da República consiga ser tão indigno do cargo e ainda assim manter o apoio incondicional de um terço da população. A questão a ser respondida é como milhões de brasileiros mantêm vivos padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo.”
Com profunda tristeza, sou obrigado a concordar com o raciocínio e as conclusões de Ivann Lago. No entanto, tenho grande esperança que, no segundo turno do pleito presidencial, a outra face da média de brasileiros, aquela – na qual me incluo – que não compactua com o retrocesso, com os desmandos, com o desgoverno e com o desatino comandados pelo insano imbrochável de Brasília, desaloje-o definitivamente do Palácio do Planalto, em nome da democracia, da brasilidade, da maturidade política e da união nacional.