Quem queria virar a mesa em Brasília ficou falando sozinho
A democracia venceu. Mas, nas 45 horas entre o anúncio da vitória de Lula e a fala para lá de ambígua do presidente rejeitado, na terça (1º/11), o bolsonarismo — estimulado pelo silêncio do chefe a se aboletar em caminhões — abraçou o golpe. No Dia de Finados, estradas permaneciam bloqueadas, enquanto vivandeiras batiam às portas do quarteis, clamando por uma intervenção militar — que não virá.
O movimento golpista nada teve de espontâneo e inesperado. Cresceu no Brasil paralelo onde vivem seus líderes e participantes, embalado por repetidos discursos contra as instituições eleitorais e pela demonização dos adversários que promoveriam a “comunização” do país.
O golpismo vinha sendo ostensivamente propagado nas redes sociais: insuflou os perdedores e garantiu a sincronia entre a mudez do presidente derrotado e o travamento das rodovias por caminhoneiros em muitos pontos do país.
Golpes são sempre urdidos de antemão; seu desfecho, porém, depende de decisões dos principais personagens envolvidos, tomadas no calor da hora. Dois livros dissemelhantes iluminam esses processos de alto risco para seus líderes. Em “Os militares e a República” o antropólogo Celso Castro, da FGV (Fundação Getulio Vargas) analisa com notável competência as decisões do grupo de oficiais responsáveis pelo golpe bem-sucedido que acabou com a monarquia no Brasil, em 1889. Já no magnífico “Anatomia de um instante”, o escritor espanhol Javier Cercas mostra como um gesto de coragem do primeiro-ministro Adolfo Suárez, na invasão do Parlamento por militares golpistas, em 1981, desarmou o movimento e permitiu a consolidação do regime democrático no país.
Aqui, o que garantiu o respeito à democracia foi uma sequência de gestos que se seguiram ao anúncio oficial dos resultados eleitorais. Os discursos do presidente da Câmara, Arthur Lira, (por sinal aliado de Bolsonaro), do seu homólogo do Senado, Rodrigo Pacheco, e da titular do STF, Rosa Weber, mostraram que o Legislativo acatava a vontade dos eleitores e o Judiciário a respaldava. Registre-se que foi no Supremo que Bolsonaro jogou a toalha, ao dizer “Acabou”.
Governadores, o vice-presidente e alguns parlamentares bolsonaristas se anteciparam ao vencido. No exterior, o americano Joe Biden e o francês Emmanuel Macron encabeçaram o extenso rol de líderes nacionais que se apressaram a saudar o triunfo de Lula. O regozijo internacional amalgamou-se ao do alívio da mídia nacional por ter a democracia, afinal, prevalecido. Quem queria virar a mesa em Brasília ficou falando sozinho. Como a Batalha de Itararé, na Revolução de 1930, golpe não houve.