A falácia da insanidade

Tratar opositores pelo viés da loucura é expressão da bolha de parte da esquerda

Rodovias fechadas, civis marchando na frente de quartéis e até militante agarrado na frente de um caminhão em movimento. Todos pedindo intervenção militar.

Quem assistiu ao desenrolar de eventos logo após as eleições teve a impressão de que abriram as portas do hospício. Pelo senso de humor, sim, mas não caiamos na patologização psicológica, que tende a objetificar seres humanos: não por acaso, ideologias totalitárias tratam pessoas como coisas.

Se queremos entender e combater manifestações antidemocráticas, e não apenas sinalizar virtude, não faz sentido usar o mesmo método que rechaçamos.

De saída, é preciso aceitar que o bolsonarismo é diverso. A ideia de que se restringe a homens ricos e brancos do Sul/Sudeste é uma falácia. Mulheres, negros e pardos, de classes mais baixas e também do Norte/Nordeste estão nesse movimento. Uma das vias é pela atuação de igrejas evangélicas neopentecostais.

Nesse quesito, não é a porta do hospício que se rompe, e sim a bolha da esquerda intelectual pós-moderna, que trata evangélicos pelo viés da insanidade ou da manipulação.

Esse discurso está desconectado do papel simbólico das igrejas e do bolsonarismo (que criam redes de sociabilidade e de formação de identidades) e também da realidade material de uma camada da população que vive em contexto de violência (o tema da segurança pública não é valorizado à toa). Aspectos quiçá mais prementes do que gênero neutro.

Segundo o Datafolha, em 2020, 31% da população era evangélica (58% eram mulheres e 59%, negros). Bolsonaro recebeu mais de 58 milhões de votos. É preciso uma boa dose de elitismo para atestar que essas pessoas estão apenas num surto coletivo.

Parte da esquerda, portanto, age como doutor Bacamarte, o alienista do conto de Machado de Assis, que vê loucura em todo mundo e interna a cidade inteira. Ao final, o médico percebe que, como apenas ele é perfeito, logo é o desviante. Então, abre as portas do hospício e acaba lá internado, sozinho.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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