Ainda que a motivação da UE possa ser protecionista, também interessa ao país deter devastação de seus biomas
Líderes europeus veem com alívio as promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na área ambiental, em especial o resgate do combate à devastação da Amazônia. Isso não impede que avance na União Europeia (UE) uma legislação dura para barrar a importação de produtos oriundos de áreas de desmatamento ilegal, cujo maior alvo é o Brasil.
Na última terça-feira, representantes da Comissão Europeia, do Conselho e do Parlamento europeus chegaram a um acordo sobre a nova lei, que parece talhada sob medida para atingir produtos brasileiros. Ela afetará apenas a produção de áreas desmatadas a partir de 2020, segundo ano do governo Jair Bolsonaro, quando a devastação amazônica ganhou velocidade. Não haverá, porém, como contornar a investida europeia, que mistura a preocupação genuína com o meio ambiente ao conhecido protecionismo.
Caberá aos exportadores brasileiros, entre eles grandes empresas globais, se precaver na exportação para a UE de mercadorias como soja, carne bovina, madeira, café, couro, óleo de palma, móveis, chocolate, papel e carvão vegetal. Terão de comprovar que nada disso vem de área de desmatamento ilegal, sob pena de arcar com pesadas multas. Serão exigidas até as coordenadas geográficas das regiões de produção. O Parlamento Europeu sugere que as próprias companhias investiguem o DNA dos produtos para garantir a origem.
Mais do que uma nova lei, a UE decidiu criar uma política rígida para que a Europa deixe de contribuir para a destruição do meio ambiente em todo o mundo. O bloco estima que a área devastada no planeta entre 1990 e 2020 foi maior que a europeia e que o Continente foi responsável, com seu consumo, por 10% da devastação. Mas isso não significa que implantar mecanismos confiáveis de rastreamento da produção seja má ideia. Ao contrário.
Eurodeputados tentaram, sem sucesso, incluir no projeto outros biomas ameaçados além das florestas tropicais, como as savanas e o Cerrado, onde o Brasil produz a maior parte dos grãos que exporta. Em algum momento, é certo que ele também seja alvo. A Comissão Europeia avaliará, depois de dois anos, a extensão das regras a outros biomas de grande biodiversidade ou estoque de carbono que poderia ser liberado para a atmosfera. Quem exporta para a UE a partir do Centro-Oeste do Brasil e de regiões adjacentes precisa se preparar desde já para comprovar que não se vale do desmatamento ilegal para produzir.
Por óbvio, interesses protecionistas se aproveitam do ambientalismo para impedir que Brasil ou Argentina concorram com a agricultura europeia de pequena escala e baixa produtividade. São as mesmas forças que não desejam que entre em vigor o acordo de livre-comércio Mercosul-UE. É verdade, também, que o impacto da medida nas emissões de gases tende a ser pequeno. Os países europeus fariam mais em prol do planeta se promovessem uma transição mais rápida para a energia limpa, reduzindo drasticamente o consumo de carvão, gás natural e petróleo.
Mesmo assim, é do interesse do Brasil cumprir com toda regra que contribua para reduzir o desmatamento. É preferível explorar os milhões de hectares disponíveis no Brasil sem derrubar uma árvore a não poder entrar no mercado europeu. Preservar o meio ambiente é também mais importante para nosso futuro do que as denúncias de protecionismo