Rui Barbosa em compota

A placa imensa: “centro de formação de condutores”. Para não deixar dúvidas, já que se pode legitimamente pensar que ali se formam maestros, abaixo vem outra informação, esta conclusiva: ‘auto escola’. Escola para treinar motoristas. Releve-se o ‘auto’, que pode levar preciosistas como os chatos do Insulto a entender que se trata de escola em que as pessoas aprendem sozinhas tudo e qualquer coisa, como andar de bicicleta, por exemplo. O ‘auto’ é abreviação de automóvel, embora também ensine a dirigir caminhões e motocicletas. Tudo não passa de eufemismo.

Ali mesmo na rua, em frente ao ‘centro de formação’, pensei na Alemanha, o pais mais adiantado do mundo, que produz os melhores automóveis – e nada por acaso tem a língua que dizem mais complicada. Erro, o alemão não é complicado; é lógico e busca a clareza; tanto que se tornou a língua filosófica por excelência. Sabe como os ‘centros de formação de condutores’, as auto escolas, são conhecidas na Alemanha? Fahrschule, ou seja, auto escola, assim, curtinho e claro, até com a pontinha de eufemismo: Fahr, genérico para movimento; na bicicleta – Fahrrad.

Eufemismo e bolodório são traços culturais. Eça de Queiros meteu um eufemismo no romance A Relíquia. De volta da Terra Santa, o personagem traz a encomenda da tia, uma relíquia bíblica. Em vez do santo sudário, entrega a camisola da amante. Em epígrafe, Eça explica que encobriu a “nudez forte da verdade sob o manto diáfano da fantasia”. Se você não for da justiça, gente de língua empolada ou não voltou de Israel com calcinha na bagagem, purgue a escrita para não ser “um Rui Barbosa em compota” – assim Leonel Brizola chamava o jurista Paulo Brossard.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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