Investimento e crime compensam porque se beneficiam de legislação leniente
No começo dos anos 1990, a corrida do ouro em Roraima resultou num crime de lesa-humanidade que ficou conhecido como o Massacre de Haximu. Garimpeiros assassinaram 16 yanomamis, entre eles mulheres, crianças e idosos, varados de balas e mutilados a golpes de faca. Um bebê foi atravessado por um facão.
Na época, o Ministério Público Federal conseguiu condenar alguns dos garimpeiros pelo crime de genocídio. Mas o garimpo nunca deixou os yanomamis em paz. E encontrou no governo passado mais do que um aliado. Sob Bolsonaro, o aparelho de Estado, por ação e omissão, foi agente promotor de uma política de extermínio, como mostram as chocantes fotografias de seres humanos descarnados neste holocausto amazônico, além da estimativa de quase 600 crianças mortas por fome e doenças.
O garimpo tornou-se empreendimento de grande escala, que requer muito dinheiro e organização empresarial. O investimento e o crime compensam porque se beneficiam de legislação inacreditavelmente leniente, que permite ao garimpeiro declarar de “boa-fé”, às distribuidoras de títulos e valores mobiliários, que o ouro procede de área com autorização de lavra. A fraude “esquenta” o metal, que vai parar na vitrine de uma joalheria em Paris ou vira adereço de churrasco no Qatar.
O Instituto Escolhas realizou um estudo sobre a extração e comercialização do ouro no Brasil e concluiu que quase metade da produção tem indícios de ilegalidade. O sistema autodeclaratório é um convite à fraude e tem que acabar. Há dois projetos de lei no Congresso e uma ação no STF nesse sentido.
Mas o garimpo, que produz fome e morte, pode ter fim mais rapidamente, como explica o diretor do Escolhas, Sérgio Leitão. “O presidente Lula pode assinar uma medida provisória para retirar a cláusula de boa-fé, uma proteção absurda que desestimula a fiscalização, abre caminho para o ouro ilegal, incentiva o desmatamento e a violação de direitos humanos”, propõe.