Octavio Malta: jornalismo de combate – parte 2

Dácio Malta afirma, e a história confirma, que “o primeiro sucesso de Samuel foi Diretrizes, que teve Malta como o número 2 da equipe. Era ele quem escrevia os editorais. Vinte anos depois, Samuel soube que o amigo havia sido mandado pelo PCB para controlar o jornal-revista, mas a ´miopia política´ de Samuel tinha ´causas facilmente identificáveis’”.

“As causas facilmente identificáveis” surgiram nas memórias de Samuel Wainer e foram transcritas por Dácio Malta: “Eu estava deslumbrado com a constatação de que tivera acesso ao clube de intelectuais da esquerda. Subitamente, surpreendera-me amigo de intelectuais como Jorge Amado, Zé Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, Érico Veríssimo. Sentia-me honradíssimo por tantos privilégios. Ter a companhia de Octavio Malta assim era um motivo de orgulho suficientemente poderoso para fechar-me a vista a certas evidências. Malta era uma figura extraordinária, sempre seríamos amigos”.

E continua Wainer: “Depois veio Última Hora, e de novo Malta estava à frente: Ele era meu braço direito (sic), meu velho companheiro, a quem vinha fazendo sucessivas consultas desde a conversa com Getúlio em Petrópolis”.

E arremata Samuel Wainer: “Os editoriais redigidos por Octavio Malta – eu ainda não me sentia suficientemente seguro para escrevê-los – tinham peso crescente. Além de ser o redator-chefe do jornal, Malta durante décadas assinou a coluna ´Jornais e Problemas´, a primeira do país a comentar a imprensa diária. Em Machado de Assis ele encontrou a inspiração para a coluna e diariamente repetia o mote que conheceu em Quincas Borba – Não há vinho que embriague como a verdade”.

Última Hora, como se sabe, e os vários livros sobre ela que estão aí não desmentem, foi o jornal mais importante do país até a Redentora de 1º de Abril. Dácio escreve sobre o pai no antes e depois: “Durante anos seus principais alvos foram Carlos Lacerda e Roberto Marinho. Esses nunca o perdoaram. Em abril de 1964, perseguido pela polícia de Lacerda e pelas tintas de Marinho, Malta foi obrigado a passar alguns meses na clandestinidade, mas sem abandonar a luta. Em UH assinava três dias na semana um artigo com o pseudônimo de Manoel Bispo, e na Folha da Semana, outro como Luiz da Silva, personagem de Graciliano Ramos em Angústia, nome sugerido pelo jovem amigo Maurício Azêdo. Quando Última Hora foi vendida, em 1972, Malta não teve mais onde escrever na grande imprensa”.

Como diz Dacio Malta, Octavio nunca escreveu suas memórias. “Não dá para escrever tudo”. Dacio lembra que “com certeza ele não gostaria de falar de sua militância política. Sempre foi reticente sobre esse assunto. Muitos companheiros continuavam vivos e era preciso preservá-los”.

O livro apresenta vários artigos de Octavio Malta e, como sustenta Dacio, são perfis de várias personalidades e neles estão parte das memórias que Octavio não escreveu, desde que saiu do Recife. Octavio Malta, não bastasse o que fez como jornalista, ainda escreveu o melhor livro sobre o movimento que passou a história como “Tenentismo”: “Os Tenentes na Revolução Brasileira”, encontrável nos sítios das livrarias eletrônicas.

Os perfis são extraordinários. O texto de Octavio Malta flui como um rio que sabe exatamente o curso que deve seguir até desaguar no mar ou noutro rio. São textos relativamente curtos, num português de primeiríssima qualidade. Os adjetivos quase estão ausentes. Os dois primeiros são sobre dois dos tenentes que entraram na história do Brasil: Siqueira Campos (Quando a revolução era quase risonha e franca) e João Alberto (Sua maior ambição era fazer amigos).

Adentra no jornalismo com invulgar talento e competência: O repórter político, seu dever e arte. Dois magníficos perfis de seu companheiro do Recife e Rio de Janeiro, Osório Borba (Um artilheiro da imprensa – O itinerário de Osório Borba, o homem que cuspia marimbondos). Um impressionante perfil de Edmundo Bittencourt que abandonou o escritório de Ruy Barbosa para fundar o Correio da Manhã em 1901 (O panfletário Edmundo Bittencourt). Um apanhado histórico da Imprensa na década de 20; do Sítio de (Arthur) Bernardes à expectativa da Revolução de 30.

Interessantíssimo texto é O Imparcial e a Tribuna, dois jornais, um só dono e posições divergentes. Henrique Lage, um dos maiores empresários do Brasil, afilhado de casamento de Arthur Bernardes, mas com interesses em manter os amigos que faziam oposição ao mesmo, adquiriu dois jornais ao mesmo tempo, utilizando a mesma sede e dividindo os repórteres e os redatores em dois lados de uma única sala. O Imparcial fazia a defesa intransigente do Presidente e a Tribuna oposição ferrenha. Quando Bernardes deixou a presidência, Lage deixou os dois jornais, que só lhe davam prejuízos.

Dois Getúlio Vargas é, antes de ser um artigo jornalístico, uma aula de história do Brasil e um profundo estudo sobre a personalidade daquele que foi revolucionário, ditador, senador, presidente da República e que, para não sofrer um golpe de estado, preferiu o suicídio. Conta que Getúlio, logo depois de assumir o poder em 1930, ganhou dos cariocas o apelido de Chuchu, “uma tenra leguminosa sem sabor próprio e que toma o gosto do molho com que se prepara”. Logo, logo, Getúlio Dornelles Vargas colocaria as manguinhas de fora e nunca mais foi chamado de Chuchu.

Outro perfil excelente é o de Gilberto Amado, onde mostra que o mesmo sustentou a vida inteira que o Brasil estava ainda na metade do século XIX, onde se encontra até hoje, digo eu.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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