Deboches, xingamentos, piadas e brincadeiras de mau gosto são o retrato perverso de uma sociedade preconceituosa e violenta com os mais velhos
Sabe quando foi a primeira vez que eu tive medo e vergonha de ficar velha? Foi no dia do meu aniversário de 40 anos, quando me dei de presente uma consulta com uma dermatologista.
Nunca, até então, havia usado filtro solar ou hidratante. Sou da geração que se torrava ao sol, sem se preocupar com o envelhecimento da pele. Desde menina até os meus 16 anos, o momento mais gostoso do meu dia era caminhar descalça nas areias das praias de Santos, sentindo o calor do Sol, sem qualquer proteção.
Quando me mudei para o Rio de Janeiro, aos 21 anos, caminhar descalça nas areias continuou sendo o meu maior prazer, apesar do sol fulminante.
Voltando aos meus 40 anos, fui à dermatologista para ela me receitar um filtro solar e um hidratante. Estava na hora de começar a me cuidar para não ficar uma velha decrépita e enrugada, como me aconselhou uma amiga.
Olhando com muita atenção o meu rosto com uma lente de aumento, como um detetive que procura todos os meus defeitos e imperfeições, a dermatologista disse em um tom imperativo:
“Mirian, você tem que fazer correção nas pálpebras, elas estão muito caídas. Precisa colocar botox ao redor dos olhos, você está com muitas rugas de expressão. E preenchimento ao redor dos lábios, você está com bigode chinês. Tem que fazer um peeling no rosto, pois está com muitas manchas de sol. Se você fizer tudo isso, você vai rejuvenescer dez anos”.
Só faltou dizer: “Você não tem vergonha na cara? Você é culpada por estar ficando velha!”.
Paguei a cara consulta que saiu mais cara ainda porque passei a enxergar rugas, bigode chinês e manchas horrorosas que, antes, eram invisíveis para mim. Faço ou não faço correção nas pálpebras, preenchimento no bigode chinês, botox na testa? Se eu fizer tudo isso posso ficar dez anos mais jovem. Eu sou culpada por estar ficando velha.
Para piorar a crise dos 40, em uma das minhas caminhadas na praia, um homem disse: “Nossa, que coroa gostosa! Tá enxuta, ainda dá um bom caldo!”. Como ignorei o “elogio”, ele me xingou aos gritos: “Não tem vergonha de usar biquíni, sua velha mocreia, baranga e pelancuda? Você não se enxerga, sua velha ridícula?”
Uma das mulheres achou um absurdo: “Por que você fica feliz quando dizem que você parece mais jovem? Por que você não fica satisfeita de ser uma mulher bonita e interessante com a idade que tem? Qual é a vantagem de parecer ser o que você não é mais?”
Foi como levar um tapa na cara. Percebi que aquilo que eu considerava um elogio era, na verdade, o medo, a vergonha e o preconceito com o meu próprio envelhecimento.
Ser xingada de “velha ridícula, baranga, mocreia e pelancuda”, aos 40 anos, revela que envelhecer no Brasil é se tornar descartável, desvalorizada e invisível. Daí o meu medo e vergonha de ficar velha em uma sociedade em que a juventude é um verdadeiro capital.
A indignação geral com o vídeo das jovens universitárias debochando da colega de 44 anos foi um estopim para denunciar e combater o preconceito, discriminação, abuso e violência física, verbal e psicológica que moram dentro das nossas casas, famílias, trabalhos, escolas e, também, dentro de nós. Basta de velhofobia!
Não deixei de ir à praia de biquíni nem fiz os procedimentos recomendados, mas passei a pesquisar e escrever incansavelmente sobre o significado de envelhecer em uma sociedade em que uma mulher é humilhada e ofendida por querer estudar depois dos 40 anos.
Como escrevi no livro “Velho é Lindo!”, inspirada em Martin Luther King, eu tenho um sonho. Eu tenho um sonho que um dia os mais velhos serão considerados lindos e que iremos viver em uma nação em que as pessoas não serão julgadas pelas rugas da sua pele e sim pela beleza do seu caráter. Livres, somos livres enfim.