Não tenho a menor dúvida de que funciona para muita gente, até que não funciona mais
Lá por 2050, a não monogamia talvez seja a forma mais comum de se relacionar. Chutei essa data, mas tenho certeza de que não estarei aqui pra ver a normalização do que hoje ainda não é a regra nem entre os não-tem-tu-vai-tu-mesmo que frequentam a Barra Funda ou BotaSoho, como foi batizado o bairro carioca. Muitas convenções serão derrubadas pelo caminho à medida em que se tem mais opções diante de um modelo que era praticamente único: casar e ser infeliz o resto da vida. Concordo com toda a teoria de que a exclusividade nos relacionamentos foi uma construção social e que é possível que outros variados modelos funcionem mais.
Hoje, abril de 2023, tudo o que eu ouço é que as única pessoas que estão gostando muito dessa nova forma de amar são aquelas que desde sempre foram não monogâmicas: os homens. Posso apostar que mulheres satisfeitas com esse tipo de acordo não enchem um show da Letrux. Estou errada? Espero. Escrevo baseada em observações, ainda que este tópico mereça mais atenção, dissertações de mestrado em lugares cabeçudos.
Todos os relatos que ouço, sobre moças aparentemente independentes, feministas e progressistas, em geral, desandam quando elas percebem que abriram a relação para segurar o marido em casa. Uma versão mais progressista das mulheres que fechavam os olhos para as amantes e putas que frequentavam as partes íntimas de seus conges.
Calma, ainda darei mais motivos para ser cancelada pela tropa do “ninguém é de ninguém”. Tenho pesquisado sobre o assunto, me achado muito ultrapassada. Juro que acredito que vocês estão certos e eu sou a errada em me achar satisfeita há quase 11 anos com a mesma pessoa. Curiosa, decidi me preparar pelo menos intelectualmente para eventualmente estar pronta para o que promete ser um tsunami nas próximas décadas. Meu marido disse que prefere o divórcio. Eu também. Sou bem feliz com ele pra tentar ser menos feliz com vários outros. Desisti, mas o assunto está na moda. Você começa a ler sobre a defesa da monogamia e, de repente, uma tese de doutorado sobre o horror da monopolização dos afetos. Monopolização dos afetos. Gostar de uma pessoa só pelo jeito é uma forma de opressão.
Relação aberta parece tão disseminada dentro de algumas bolhas que toda semana fico sabendo de um casamento que acabou porque a mulher se deu conta de que se submetia a algo que ela nem queria tanto, mas seu parceiro a convenceu de que seria muito melhor assim. Então, ela percebe que está numa relação tóxica, abusiva, dê o nome que quiser, inclusive porque o “a gente trepa com quem a gente quiser” quase sempre não muda o fato de que é a mulher quem continua cuidando dos filhos, da casa, das compras do mês, da louça e dos almoço de domingo. Sério, liberar a mulher pra ter orgasmos com desconhecidos tá barato.
A essa altura do texto já apareceu uma tropa defendendo que a sua experiência tem sido maravilhosa e eu não entendo nada do assunto. Não tenho a menor dúvida de que funciona para muita gente, até que não funciona mais. Quando milhares de casais em relações abertas celebrarem bodas de ouro, veja, sendo muito felizes, mas felizes para caceta, volto aqui e assumo que estava equivocada com essa percepção de que, NESTE MOMENTO DA HISTÓRIA, temos mais do mesmo: mulheres se submetendo a acordos para agradar macho.
Os homens sempre foram culturalmente não monogâmicos. Moderno é o cara que decide dividir a vida com apenas uma mulher. E, não, não estou sugerindo uma salva de palmas pelo esforço, mas se tem alguma novidade no mundo é macho monogâmico. O que há de excepcional naqueles que se sentem realizados em relações em que não tenham que prometer fidelidade? Pois é. No máximo, alguns evoluídos para lidar com a possibilidade de viver histórias em que não têm mais exclusividade. Será? Os relacionamentos de que tenho notícia acabaram depois do primeiro mês em que o macho bem resolvido percebeu que sua mulher estava mais feliz do que pinto no lixo. Bastou isso para o alecrim recolher a bola e dizer que a brincadeira acabou.
A maioria de nós, mulheres, ainda está na fase de entender a dinâmica errática das relações, situações de abuso, de dependência, de violência. Não identificamos de cara sujeitos que nos roubam de nós mesmas, não conseguimos reagir a assédio sexual ou moral. Sim, a maioria de nós. Temos dificuldade para lidar com encontros casuais. De um lado, uma minoria jura que a não monogamia é o último grito do segredo da felicidade, enquanto o resto da humanidade feminina quer cobrar “responsabilidade afetiva” do fulano com quem troca fluídos de vez em quando. Li, dia desses, que “casual não é bagunça”. Pois é, casamento tradicional, aparentemente, é que precisa de um pouco de “bagunça” para dar certo. Dar certo para quem?
Por enquanto, para os homens, em sua maioria. Como sempre.