Parafraseando Simone de Beauvoir: ninguém nasce mãe, torna-se mãe
Ei, você com essas olheiras batendo nos joelhos. Você que nunca teve o prazer de ler um boletim escolar na companhia de alguém. Que troca fralda com uma mão e lâmpada com a outra. Que vê um pai postando declarações de amor para o filho nas redes sociais e recebendo dezenas de likes —aê, paizão! – mas nunca vê esse mesmo paizão aparecer para levar a criança para um passeio. Que tem que implorar pela pensão com um chapéu na mão, agradecendo qualquer moeda que tilinte lá dentro.
Você que, esses dias, para não ver seu filho desapontado, comprou um presente para si mesma, deu para ele e disse: me entrega isso no Dia das Mães. Que, quando dá bronca, assiste ao menino querendo o consolo de outra pessoa, mas só tendo você em casa, volta conformado para os seus braços. Você que às vezes se tranca no banheiro e abre a torneira para o filho não te ouvir chorando baixinho.
Parece que você está sozinha e, de certa forma, está mesmo, mas também não. No Brasil, existem 11 milhões de mães solo, mulheres que lideram seus lares sem parceiros e com filhos —dessas, 150 mil ao ano sequer têm seus filhos reconhecidos pelos pais em cartório.
Some a isso as mães solo que improvisam seu solo fora das estatísticas, às vezes até morando com o pai dos filhos mas segurando sozinhas a pilastra financeira e afetiva.
Some ainda as mães solidão, aquelas que têm o pai ao seu lado mas participando só daquilo que ele pode ou gosta de participar. Aquele que faz o almoço quando pode. Que vai na reunião da escola quando pode. Como se estivesse fazendo um favor. Já a mãe, se não pode, que dê um jeito, o que deixa bem clara a hierarquia e a relação de poder silenciosa que existe da porta para dentro de muitas casas.
Às vezes, essas mães solidão são ainda mais sós do que as mães solo, porque vivem sua solidão em silêncio, na expectativa de uma transformação e de um companheirismo que nunca chega, sempre frustradas, e sem formar as redes de apoio que as mães solo logo se vêm obrigadas a formar.
Se formos somar os tipos de mãe aqui citadas, somos quantas? Quase todas neste país?
Parafraseando Simone de Beauvoir: ninguém nasce mãe, torna-se mãe. A ideia de maternidade também é construída socialmente. Dizer que não existe amor como o de mãe, que não existe coração maior do que o de mãe, pode ser uma ideia muito conveniente para os homens, mas não para nós.
Pais têm exatamente a mesma capacidade de amar e de se entregar do que qualquer outra pessoa. Tanto que alguns até ocupam o lugar de mãe. E são muito mais maternais do que certas mulheres.
A responsabilidade de criar um filho, aliás, não é nem só do pai e da mãe. É de toda a família, da comunidade e do Estado. Dizem que é preciso uma aldeia para criar uma criança. Deveríamos estar pleiteando essa aldeia fragmentada pelo crescimento urbano, pela valorização excessiva da família nuclear e pelo individualismo. E talvez só não estejamos fazendo isso porque sequer tivemos tempo de perceber a que fomos submetidas, ocupadas demais embalando berços, fritando bifes, fazendo unhas e respondendo e-mails de trabalho.
Tem um meme que viralizou na internet porque tocava todas as mães, de todas as idades. Mostrava uma mulher caída no chão de casa, a roupa e os cabelos esfiapados, e dizia: Estado civil: cansada.
Até quando?