Premiê quer fazer frente às ogivas russas na vizinha Belarus; Zelenski vê ‘semana difícil’ na guerra
A Polônia, um dos mais belicistas membros da Otan, quer que a aliança militar posicione armas nucleares americanas em seu território como reação à instalação de ogivas atômicas russas na Belarus, sua vizinha.
O pedido foi feito pelo primeiro-ministro Mateusz Morawiecki durante entrevista coletiva na sexta (30), após reunião da União Europeia em Bruxelas. “A decisão final vai depender dos nossos parceiros americanos e da Otan. Declaramos nossa vontade de agir rapidamente sobre esse assunto”, afirmou.
O premiê disse que a instalação das ogivas russas na Belarus, anunciada neste mês pelo líder russo, Vladimir Putin, e pelo ditador aliado Aleksandr Lukachenko, ameaça diretamente seu país e todos os membros europeus da Otan, já bastante agitados devido à Guerra da Ucrânia.
“Não queremos ficar sentados enquanto Putin escala todo tipo de ameaça”, afirmou Morawiecki. Hoje, segundo a FAS (Federação dos Cientistas Americanos, na sigla inglesa), há cem bombas táticas B61 americanas em cinco países membros da Otan —o maior contingente, 35, em duas bases aéreas na Itália. Elas são todas feitas para serem lançadas de caças F-16, Tornado e, futuramente, F-35.
Bombas nucleares táticas nunca foram cobertas pelos acordos de controle e redução de armas nucleares, que deixaram de existir quando Putin suspendeu sua participação no Novo Start, neste ano. Esse tipo de ogiva tem menor potência e visa a alvos militares específicos, em oposição aos modelos estratégicos, de grande potência, capazes de obliterar grandes regiões para tentar encerrar guerras.
As armas russas, que especialistas da FAS duvidam estar operacionais, poderão ser lançadas tanto por aviões de ataque Su-25 quanto por mísseis Iskander-M, com alcance de até 500 km. Sua instalação na Belarus, na prática, é mais um gesto político, dado que os russos supostamente já as têm em Kaliningrado, o encrave territorial de Moscou entre Polônia e Lituânia.
Para Hans Kristensen, diretor do programa de informação nuclear da FAS, Morawiecki comete um erro ao sugerir a escalada. “Ele mordeu a isca de Putin”, escreveu ele no Twitter. Pela lógica adotada, haverá mais armas em regiões de alta tensão, o que aumenta o risco do emprego numa crise, por erro de cálculo.
O próprio presidente americano, Joe Biden, entrou no jogo ao dizer na semana passada que acreditava na possibilidade de Putin fazer uso das armas, apesar de todo o cheiro de bravata no ar.
A Polônia vem se mostrando um dos mais aguerridos membros da Otan, clube ao qual aderiu em 1999, na primeira grande expansão ocidental sobre o antigo espaço comunista da União Soviética (1922-91).
Desde que Putin anexou a Crimeia, em 2014, o país vem investindo pesadamente em modernização militar. Seu gasto com defesa equivalia a 1,9% do Produto Interno Bruto naquele ano; em 2022, foi de 2,47%, colocando Varsóvia no time de 7 dos então 30 países da Otan (a Finlândia aderiu neste ano) que gastam acima dos 2% do PIB recomendados pela aliança.
Muito vai para equipamento: 35,9% de seu orçamento militar, acima dos 20% preconizados pela Otan. Na semana passada, chegaram ao país o primeiro lote com 14 tanques pesados americanos Abrams —Varsóvia encomendou 116 unidades do modelo.
Além dos EUA, os poloneses têm na Coreia do Sul um grande fornecedor, de quem compraram caças e o poderoso tanque K-2, que já começaram a ser entregues neste ano. Serão 180 modelos enviados por Seul, e outros 820, construídos localmente sob licença.
A Belarus tem entrado no radar da Otan, ainda que apenas ceda território para os russos atacarem a Ucrânia, sem participar diretamente da guerra. Além das bombas atômicas e da retórica agressiva do seu ditador, o país vai receber o que sobrou do grupo mercenário Wagner, que liderou um motim no sábado retrasado contra as forças russas —o que colocou Ucrânia e Otan em alerta.
A questão nuclear deverá ser discutida na cúpula da Otan em Vilnius, capital lituana, na semana que vem. Outro grande tema é a adesão da Suécia ao bloco, que vem sendo barrada pela Turquia. Ancara quer a extradição de militantes contrários ao governo de Recep Tayyip Erdogan e o clima entre os dois países piorou na semana passada, com o episódio em que um ativista queimou um Alcorão em Estocolmo, para ampla condenação no mundo muçulmano.
Mas o grande desafio dos países europeus será sinalizar para a Ucrânia que ela poderá entrar na Otan após o fim da guerra de forma consistente, algo que divide os países. A proposta de adesão, afinal, foi o motivo central alegado por Putin para promover sua invasão em fevereiro de 2022.
O encontro ocorre em um momento complicado para Kiev na guerra. O país iniciou há um mês uma prometida contraofensiva, mas até agora não conseguiu avanços significativos que coloquem a Rússia numa posição desconfortável. “A semana passada foi difícil no front, mas estamos fazendo progressos”, escreveu no Telegram nesta segunda (3) o presidente Volodimir Zelenski.
Em Moscou, o ministro Serguei Choigu (Defesa) deu sua versão do desempenho ucraniano, afirmando que todos os grandes avanços foram frustrados e que Kiev já perdeu 920 blindados na ofensiva, inclusive 16 dos 75 tanques alemães Leopard-2 que recebeu. Os dados de lado a lado não são aferíveis, mas a alta taxa de atrito fez com que os EUA anunciassem dois pacotes para repor o estoque de blindados leves Bradley de Zelenski.
Também em Vilnius deve ser discutida a questão do fornecimento de caças F-16 americanos para os ucranianos, tema espinhoso devido ao potencial de escalada em caso do emprego deles sobre território que a Rússia considera seu.