Lígia G. Diniz, doutora em literatura, constatou maniqueísmo na construção dos personagens do romance “Salvar o Fogo”, de Itamar Vieira Junior. O autor não gostou, o que é normal entre artistas. O que não é normal é acusar a crítica literária de racista. Tal postura é não apenas incomum como insensata.
Após usar um “argumentum ad hominem”, ao apontar que o editor da revista e a autora são brancos, o escritor disse: “Eles precisam nos lembrar que na literatura brasileira não há espaço para nós, então o pacto é deixar a avaliação entre eles”.
Pergunto-me por onde andará o pacto da branquitude na crítica que demole o branco Paulo Coelho e ovaciona o negro Machado de Assis.
Vieira Junior é aclamado. Seu romance “Torto Arado” foi premiado com o Jabuti e o português Leya.
Isso quer dizer que negros não sofrem preconceito? Claro que não. O que se atesta é o uso temerário do racismo como escudo contra críticas.
Não há palavra ou frase na análise de Diniz que sequer insinue racismo. Ao contrário, para ela, o autor “merece pontos por trazer ao protagonismo literário quem até há pouco não tinha voz”. Pelo visto, o escritor deseja que o papel ético suplante a análise estética —o que seria a morte da crítica e da arte literárias.
Em “O Ideal do Crítico”, Machado de Assis mostra que esse profissional não deve adular o ego de escritores, sob risco de prestar desserviço ao público, aos autores e à literatura.
Para ele, a crítica tem papel na orientação de estilo e conteúdo e, ainda mais importante, na formação de um cânone literário, afastando dogmas passadistas e estrangeirismos: “As musas, privadas de um farol seguro, correm o risco de naufragarem nos mares sempre desconhecidos da publicidade”.
Acusações infundadas de racismo tendem a produzir o chamado “efeito inibidor”: críticos são desencorajados a fazer análises sinceras e objetivas por medo de sanções sociais ou até mesmo legais. Um modo nefasto de não apenas desorientar as musas, mas de aprisioná-las.