O simbolismo e os limites da toga

Concordo em número, gênero e grau com a opinião da jornalista Dora Kramer, titulada “Toga requer recato” e publicada na Folha de S.Paulo. Ela estranha a conduta de juízes que extrapolam limites do cargo, e tem absoluta razão. Juiz não faz comentários políticos; julga. Juiz não legisla; decide.

Dora observa que, ao contrário do que simboliza o próprio cargo de ocupam e as funções que exercem, juízes hoje “transitam por festividades brasilienses, frequentam eventos patrocinados, opinam fora dos autos, utilizam-se em sessões de linguagem imprópria, vão e vêm como celebridades”.

“Celebridades”! É isso aí. Grande parte da magistratura nacional acha-se e comporta-se como celebridades. Não são. Ocupam cargos de elevada importância na vida pública nacional. São imprescindíveis e merecem o apoio e o respeito da população. Mas, para que isso aconteça, devem limitar a sua atuação aos seus gabinetes e aos processos que lhe são submetidos a julgamento. Na Corte Suprema do país, a missão dos senhores togados é defender a Constituição e fazê-la ser cumprida. Ou seja, assegurar a higidez do Estado de Direito. Caso contrário, a coisa se complica.

Dora Kramer, assim como todos nós, reconhece “a posição corajosa e o combate permanente dos tribunais superiores aos arreganhos autoritários”, sem os quais “o Brasil poderia ter sido vítima, talvez não de um clássico golpe de Estado, mas de um retrocesso institucional cujas consequências são previsíveis num país que já viveu os males da ditadura”.

Pois isso, pontua a articulista, causa estranheza a conduta de magistrados que vão além dos limites de seus cargos e de suas funções. Não devem nem podem agir como políticos. É o mínimo que se espera do decoro exigido pela toga.

Já tratei disso aqui anteriormente. Ao promover a justiça, sanar conflitos e zelar pelo cumprimento da lei, é admirável e digna de louvor a função do Poder Judiciário. No entanto, ele não é divinizado nem se compõe de semideuses, como imaginam alguns.

Na qualidade de filho de promotor de justiça, neto de escrivão, bisneto, sobrinho, primo e genro de magistrados e, sobretudo por haver servido por trinta e cinco anos ao poder togado, posso garantir que os homens de toga são seres humanos como outros quaisquer. E, como tais, sujeitos a defeitos, erros, tentações e malfeitos. A atividade confere a seus integrantes certas prerrogativas, mas em razão do cargo e não por dádiva dos céus, e por isso não são eles imunes à responsabilidade e punição.

E, em assim sendo, devem, sobretudo, conter a língua publicamente.

O recente episódio envolvendo o ministro do STF Luís Roberto Barroso é um exemplo disso. Barroso esteve presente numa reunião de estudantes e ali, tomado de forte emoção, fez um discurso como se estivesse num comício político. E, ante a reação contrária de parte da plateia, saiu-se com essa pérola: “Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”.

O “nós” aí é muita gente, excelência. Sobretudo em se tratando de integrante da mais alta corte de justiça do país. Eu até poderia ter dito isso, porque sou um simples cidadão eleitor. Vossa Excelência não.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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