Só de recordar essa história hoje já está me dando um negócio
Karen, estudante de psicologia, me escreve contando que é minha leitora há um tempo e que, ao analisar meus textos e postagens mais triviais, tem certeza de que sofro de algum grau de mania de perseguição.
Ela não está errada. Padeço sim de um esporádico issue relacionado a persecutoriedade, mas quando alucino (que alguém está querendo me ferrar tremendamente), sou eu que passo a perseguir o sujeito. Já cismei com poucas e inesquecíveis figuras absolutamente aleatórias e me perdi, por curtos períodos, em insistências obsessivas.
Uma vez, faz pelo menos uns 15 anos, estive em uma reunião no Facebook com jovens que prometeram “cuidar melhor da minha conta”. Uma garota de Rio das Ostras, interior do interior do Rio de Janeiro, havia feito uma fanpage com o meu nome e angariado cerca de um milhão e meio de seguidores.
Ela usava o espaço para vender produtos bem vagabundos e, muito pior, passava o dia postando umas desgraças de textos que não eram meus, mas que poluíram para todo o sempre o Google. Até hoje, se alguém procurar por meu nome na internet, antes de chegar a qualquer trabalho realizado por mim, receberá uma enxovalhada de palavras que, quando postas lado a lado, traduzem o pior da literatura nacional. Não estou afirmando que sou essa maravilha toda, mas, acreditem: as opções que o Google traz, com meu nome, são infinitamente piores.
Foram meses estranhíssimos em que tive de provar para o Facebook e alguns advogados, usando meu RG, CPF, certidão de nascimento, documentos dos meus pais, corpo presente e digitais, que eu era eu e a menina de Rio das Ostras não era eu. A menina insistia comigo que ela, sim, era eu, e que eu deveria ser presa por falsidade ideológica. E seu namorado disse que viria pessoalmente a São Paulo me dar um susto porque “ser eu” era o único emprego que a menina de Rio das Ostras tinha —emprego que a ajudava a manter toda uma família, e eu havia tirado isso dela e agora ela não sabia quem era. Complexo.
Bem, então o Facebook me chamou para uma conversa e prometeu cuidar melhor de mim. Inclusive me ensinando a tirar o melhor proveito profissional da minha página. A mulher disse: se essa garota ganha dinheiro com “sua brand”, “sua label” está na hora de você fazer o mesmo antes que outros façam novamente.
Eu estava péssima de dinheiro na época, já tinha gastado uma pequena fortuna com advogados para provar minha inocência no caso “eu dizendo que sou eu mesma” e fiquei animada. Foi a primeira vez que alguém me chamou de marca.
Entrei numa crise, claro, eu sonhava em ser misteriosa, deprimida e premiada em Berlim, mas pensei: por que eu estou aqui devendo 20 mil no banco, meus amigos, se sou “uma label”, “uma brand”? E passei a sonhar com jatinhos, viagens e homens nus dançando para mim (mentira, porque não gosto de muita gente num mesmo lugar, além do que, já tive essa experiência, e quando há muita gente pelada num lugar o ambiente fica com cheiro de cu, e quase sempre prefiro não sair de casa).
E a mulher que me iludiu, a jovem senhora do Facebook que me prometeu tudo isso, saiu de licença maternidade uma semana depois. Ela não deixou a senhorita que entrou em seu lugar avisada dessa promessa. Então, a menina de Rio das Ostras fez outra página e seguiu dizendo que era eu, falando com um milhão e meio de pessoas, postando textos terríveis com meu nome e vendendo cremes de cabelo medonhos.
A nova executiva de não sei o quê, que estava cobrindo as férias da jovem senhora, agora mãe, não respondia meus emails ou telefonemas, e toda a equipe que trabalhava com ela não respondia meus emails ou telefonemas.
Uma única vez, desavisadamente, a executiva de não sei o quê me atendeu, soltou um gemido de tédio e desdém, falou que retornaria, deu uma risadinha, desligou a seco e JAMAIS nos falamos. Eu contei toda essa história para chegar até aqui porque a partir dessa risadinha dessa garota eu fiquei alucinada, maluca, crazy mother fucker, e pensava nisso no banho, dormindo, sonhando, acordando e não tinha outro assunto na terapia.
Não me importava mais a menina de Rio das Ostras, o Facebook, eu sendo eu mesma, eu sendo a menina de Rio das Ostras, eu sendo uma marca, eu sem dinheiro, cremes vagabundos sendo vendidos com meu nome, textos medonhos sendo expostos ao mundo a partir de uma página com a minha cara sorrindo feito trouxa. Só me importava a nova executiva de sei lá o que que me atendeu, bufou, fez aquela voz anasalada fresca, riu da minha cara e me esnobou. Aquilo, meus amigos, despertou em mim 67 gatilhos mal resolvidos e eu passei a pensar naquela mulher 24 horas por dia.
Descobri o telefone das pessoas da sua equipe, eu ligava e mandava mensagens. Descobri telefones e emails de diretores, presidentes, donos, sócios, investidores, bancos. Fui pela via nojenta das carteiradas. Fiz crônicas naquele estilo arrasando a vida de pessoas, posts expondo situações. Eu fiquei completamente maluca. E isso aconteceria outras vezes na vida. Poucas, bem poucas (acho que duas ou três vezes), mas muito marcantes.
Tenho vergonha, tristeza, medo, pavor, de pensar que algo em mim escala até chegar nesse lugar sombrio. Quando passa (dura de duas semanas a um mês?), eu penso que foi um período de apagão em que estive muito doente.
Essa mulher nunca, jamais, me retornou. Não lembro o nome dela. Isso faz certamente mais de 15 anos. Mas, cacete! Só de recordar essa história hoje, já está me dando um negócio.