A vitória de Javier Milei na Argentina é uma derrota para o governo Lula e para o Brasil. Não é uma questão de posição ideológica, mas de prática na política internacional. Se concretizadas, as intenções do ultraliberal e radical de direita na presidência da Argentina prejudicam o poder do Brasil na região e, em consequência, enfraquecem sua posição geopolítica. Seu relacionamento com Lula tende a ser ruim e o convívio comercial dos dois países deve piorar.
Milei venceu Sergio Massa, ministro da Fazenda de um governo que convive com uma crise econômica que une falta de dólares e inflação a 140% ao ano, quadro que o Brasil viveu na década de 1980. A pobreza nunca cresceu tanto na Argentina como no atual governo, de Alberto Fernandez.
A comparação entre Jair Bolsonaro e Milei é automática, mas fica longe da exatidão. Milei tem pouco de Bolsonaro. Tem uma visão de mundo mais radical que a do ex-ministro da Fazenda Paulo Guedes, misturada a delírios de irrealidade, só que está na posição de Bolsonaro em 2018. Em comum, Milei e Bolsonaro são de direita.
Os problemas para o Brasil começam no nível mais básico. Os presidentes de Brasil e Argentina precisam se dar bem, mas Milei já chamou Lula de “corrupto” e disse que não o encontrará. A vida adulta não é assim, em especial na política internacional, mas Milei levará algum tempo para aprender isso. Apesar dos sinais de alguns intermediários de que o governo Milei será pragmático, as coisas não acontecem rápido. Enquanto isso, o relacionamento ruim vai atrasar conversas importantes e causar prejuízos comerciais.
Há mágoas de campanha eleitoral. Lula tentou ajudar o colega Alberto Fernandez a eleger Massa. Fez a ponte para um empréstimo emergencial à Argentina; o PT enviou marqueteiros experientes da campanha contra Bolsonaro, que ajudaram a equipe de Massa a enfrentar as redes sociais de Milei. Isso não passará incólume.
No plano mais amplo, Milei quer abandonar ou reformar o Mercosul, que considera desfavorável a seu país. O acordo Mercosul-União Europeia, importante para o Brasil e negociado há mais de 20 anos, fica mais distante com a oposição de Milei. Se ele colocar em prática o que fala, a consequência será a o enfraquecimento da liderança do Brasil na América do Sul. Com isso, o Brasil perde força em importância na arena política mundial.
O governo Lula começou com um sucesso praticamente garantido – e era justamente na política externa: após quatro anos de desastre bolsonarista, só o fato de o Brasil voltar a ter uma representação normal e civilizada já era uma vitória ante à postura de pária. O obstáculo criado pela eleição de Milei coloca um problema onde o trabalho seria menos penoso.