Sempre a vitrolinha

A IMPRENSA pega no pé de Lula/Janja com o tapete comprado para o Alvorada, coisa de quase R$ 200 mil. Deu-se ao trabalho de fazer cotação no mercado para provar que há tapetes mais baratos. E daí? Sempre haverá. No entanto ninguém levou em conta que o tapete não será levado embora quando Lula deixar o governo – aliás, o importante será conferir o estado, para comparar como os Bolsonaros deixaram a residência oficial, fotografada como se por ali tivesse passado Átila, o Huno (aquele que por onde passava a grama nunca mais crescia).

O problema não está no tapete, mas quem pisa nele. Sim, Lula, que cometeu a ofensa de ser presidente três vezes; um trabalhador semialfabetizado no lugar reservado historicamente aos doutores (aos quais, na falta de letras, humilha pelas luzes da inteligência). Lula parece ter superado o preconceito das zelite. Parece, pois não raro cai na esparrela de se defender, acusando. O editor deste Insulto teria ensinado a resposta que Winston Churchill deu ao exibicionismo do general Montgomery, herói de guerra e comandante do exército na II Guerra Mundial.

Montgomery uma vez autoelogiou-se, exibindo a diferença de seus hábitos em relação aos de Churchill, o primeiro ministro que desafiou a Alemanha nazista. O general dizia: “não fumo, não bebo, acordo cedo, corro, faço exercícios e derrotei Rommel em El Alamein” (ele foi feito Visconde de El Alamein graças a isso). Ao ouvir, Churchill riu e comentou: “Pois eu fumo cinco charutos por dia, bebo o dia inteiro, durmo tarde, não faço exercícios – e sou o chefe dele”. Lula venceu três eleições de dois turnos e uma pena de prisão. E chefia os generais.

Lula foi e será vítima do preconceito, na sublimação do regime escravo, pelo qual os brancos têm o direito divino de mandar e fruir o poder; e os trabalhadores, de hoje, como os escravos de antanho, devem ficar no seu lugar. Lula carrega o labéu, que vem de sua primeira disputa, quando derrotado por Fernando Collor. No debate que travaram na televisão, o engomado yuppie cangaceiro das Alagoas acusava Lula de rico por causa de um conjunto de som. Lula, humilhado, encolhido, defendeu-se dizendo que tinha apenas uma vitrolinha.

O sofá de hoje é a vitrolinha de antes. A ironia é que nunca antes “na história desse país”, um presidente fez tanto como Lula pelas burguesias.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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