PERCA dois segundos durante o filme em que a mocinha – linda, seminua, sensual – aparece descalça. Não tem erro: sempre a sola dos pés sujos.Seja quem for, pode ser a Anne Hathaway, uma das beldades inglesas ou italianas, não falo das francesas porque estas não mostram os pés. E a mais recente, de Margot Robbie, a emblemática Barbie. Desde que assisto filmes, e não só os despudorados em que a nudez integra a trama dramática, enrosco naqueles pés sujos. Perdoem a lembrança, maldito seja quem mal pensar de mim, mas resgato, em honrosa exceção, as atrizes pornôs, cuja exposição ao chuveiro deixa-lhes os pés também alvos e pristinos. Alguém dirá, por que essa assinatura com pés limpos? Explico: é fetichismo agravado pela obsessão da limpeza.
Sim, confesso, mea maxima culpa, sou podólatra, incurável e irreversível. Mas só para pés femininos, limpos e grandes, 37/38 no mínimo, emoldurados pelas artes pedicuras. Na Receita de Mulher, Vinicius exalta a poesia dos pés. De minha parte, avanço pela metafísica: os pés sujos são da sujeita intrínseca do pé ou da sujeira extrínseca do estúdio? Nosso mestre Solda, cujo fetiche opera no equador feminino, sempre reproduz fotos autorais de Jan Saudek com as mulheres de pés sujos. Está certo que Saudek investe no sensualismo escatológico, tanto dos personagens quanto dos ambientes. Mas aceitar pés sujos em mulheres nada calipígias em poses grotescas como as de Saudek é, como sempre digo, somar o insulto à injúria.