Ozempico-me?

Quanto mais me escondo, mais me fotografam. Refiro a família e uns poucos oportunistas, como Maringas Maciel, o flanêur que flagra gente anônima e prosaica pelas ruas desta cidade mais inteligente das galáxias já documentadas em milhões de anos-luz retroativos, captados pelo Observatório James Webb. Por melhor que seja o fotógrafo na prestidigitação dos ângulos e na manipulação da luz, o resultado nunca destoa da realidade: o que é bonito pode continuar mais bonito, o feio, menos feio. Já o gordo, esse nem a grande angular disfarça. Meu caso, cada dia mais engordo; começou na inatividade da pandemia e agravou com a muleta emocional da gula. Há o complicador da dieta, que exige disciplina e não tolera subterfúgios. Excluída a dieta, vem a cirurgia bariátrica, exclusiva para obesos terminais, os mórbidos. O que podem fazer os gordinhos em progresso, apanhados no flagrante desagradável e insidioso da fotografia?

Agora se fala no Ozempic, remédio para diabéticos de efeito associado no emagrecimento. Virou coqueluche de nove entre dez personalidades do show business e gente apressada, como mostram as reportagens dos que enxugaram e podem caber novamente em roupas cheirando a naftalina, a torturar dentro de guardarroupas. Até o momento não há registro de fatalidades pelo Ozempic; seus efeitos colaterais limitam-se à desproporção da cabeça em relação ao corpo que enxugou, pois o percentual de obesidade craniana é insignificante, mas significativo na fotografia; outra contraindicação também envolve a cabeça, mas pelo lado de dentro, do cérebro – que, apesar de não conter gordura, diz-se que perde acuidade com o tratamento; ou seja, vai-se parcela da inteligência junto com a perda de gordura. Decidi apostar no Ozempic. Perder pontos no QI pode melhorar minha aceitação social, nessa inteligência que mais me complica que explica.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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