Caída no lajedo da Casa do Sol, a velha senhora ainda pronuncia a palavra indiscernível: Qadós. Um pequeno aguar de onda marinha umedece o rosto de Hilda Hilst ainda caída junto à árvore de tronco duro. Envolta em densos eflúvios de água de colônia, ela agoniza e não há cítara nem pedra que a ressuscite. Com arraia fincada em suas costas, com olho mítico tatuado acima do púbis, Hilda espanca com chapéus de chuva as janelas do casarão colonial. Polidamente, alguém lhe serve marisco: é o Anjo da Casa da agoa. Traz huma fatal cabeleira de limos, chêa de caracois, de michilhoens, de velames. À cinta o Anjo traz um verdugo de çafio em talim de pelles de enguias. A diva chêa de céos interpreta Elza, na ópera Lohengrin, de Wagner. Os degraus estão já brancos com o orvalho, e é tão cedo que a sombra dos sicômoros estanca próxima da cortina de cristal para que eu contemple o vento nas ramagens. No altar as lágrimas da deusa Orín e cada lágrima cintila ou a deusa borda lágrimas na tempestade porque não voltarás? O marasmo dessa noite, através das cortinas de contas de cristal, olha para a ode que grafito sobre o dorso melancólico do peixe persa.

Fernando José Karl

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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